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Crédito: Reprodução da Internet
A palavra “ordem” pode soar, para muitos, como sinônimo de disciplina rígida ou de burocracia sufocante. Mas, na visão da Igreja, ordem é algo infinitamente mais belo e profundo: ela é reflexo do próprio Deus no mundo criado e um caminho concreto de santificação da vida humana. Desde o primeiro versículo da Escritura, quando lemos que Deus criou o céu e a terra, até a reflexão dos Padres e Doutores, a ordem se apresenta como marca do Criador e como virtude que organiza nossa vida em direção ao bem supremo.
O livro do Gênesis descreve Deus criando com sabedoria, estabelecendo ritmos, separando luz e trevas, águas superiores e inferiores, coroando a obra com o homem. O Catecismo da Igreja Católica confirma essa visão: “A criação tem sua bondade e perfeição próprias, mas não saiu totalmente acabada das mãos do Criador. Ela foi criada em estado de via, em direção a uma perfeição última ainda a ser atingida, à qual Deus a destinou” (CIC 302).
Ou seja: o mundo não é um caos sem direção, mas uma realidade estruturada que reflete a inteligência divina. Santo Agostinho chega a dizer que toda a criação é como um grande livro que fala de Deus, e só pode ser lido por quem reconhece a ordem inscrita nele.
Para Santo Agostinho, pecado é desordem do amor. Chamamos de ordo amoris (ordem do amor) a hierarquia correta entre os bens: Deus em primeiro lugar, depois o próximo, em seguida nós mesmos e, por fim, as coisas criadas. Quando invertida, essa hierarquia destrói a alma.
Santo Tomás de Aquino aprofunda essa ideia: a virtude nada mais é do que o hábito de ordenar nossos atos segundo a reta razão iluminada pela fé. Assim, a ordem não é uma virtude isolada, mas a base que dá harmonia às virtudes cardeais — prudência, justiça, fortaleza e temperança. Cada uma ordena uma dimensão do agir humano.
Muitos confundem ordem com rigidez sufocante. Mas, na vida espiritual, é justamente o contrário: ordem é condição de liberdade. A pessoa ordenada não é escrava das paixões, das distrações, da pressa ou da desorganização. Como ensina São Paulo, “tudo deve ser feito com decoro e ordem” (1Cor 14,40).
Na oração, a ordem se traduz em horários regulares, no esforço de silenciar o coração e dar primazia ao essencial. Na liturgia, a ordem não é um formalismo vazio: é expressão visível da harmonia do Céu, refletida na Terra. O Concílio Vaticano II recorda: “Na liturgia, especialmente no sacrifício eucarístico, realiza-se a obra da nossa redenção” (Sacrosanctum Concilium, 2). Para que essa obra se manifeste, a Igreja preserva rubricas, gestos e símbolos que formam uma ordem sagrada.
Não é apenas na oração ou na liturgia que a ordem se manifesta. Ela é virtude profundamente prática, que toca desde o cuidado com a casa até a organização do trabalho. São Josemaria Escrivá dizia que a santidade está no cumprimento fiel do dever diário, sem improvisações caóticas. Arrumar a mesa, cuidar da roupa, planejar o tempo: todos esses atos, quando feitos com reta intenção, refletem a ordem divina.
Numa família, cultivar a ordem significa estabelecer prioridades claras: Deus, o amor conjugal, a educação dos filhos, depois as preocupações materiais. No ambiente profissional, significa ser pontual, cumprir responsabilidades, evitar desperdícios. Uma vida ordenada é sinal de respeito por si mesmo, pelos outros e por Deus.
A desordem não é apenas falta de organização; é ruptura do plano de Deus. Quando os amores se invertem, caímos na idolatria do dinheiro, do prazer ou do poder. O resultado é o caos moral: injustiças, vícios, divisões. O Catecismo ensina: “O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a reta consciência; é uma falta de amor verdadeiro a Deus e ao próximo” (CIC 1849). Em outras palavras: o pecado é sempre uma forma de desordem.
Na sociedade, a desordem se traduz em corrupção, violência, exploração. Não se trata apenas de problemas administrativos, mas de reflexo da desordem espiritual que mina corações e instituições.
Três caminhos concretos ajudam a cultivar essa virtude:
Esses pequenos passos educam a alma. São Francisco de Sales aconselhava: “Seja fiel nas pequenas coisas que dependem de você e Deus o ajudará nas grandes”.
A ordem é, em última instância, um reflexo da própria vida divina. O Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem em perfeita comunhão e harmonia — a Trindade é a ordem suprema do amor. Quando buscamos ordem em nossa vida, estamos refletindo, mesmo que de forma limitada, essa perfeição trinitária.
Viver ordenadamente não é apenas questão de eficiência: é questão de santidade. É reconhecer que fomos criados à imagem de um Deus que é ordem, e que nos chama a espelhar essa ordem em nossas escolhas, afetos e rotinas. Assim, do nascer ao pôr do sol, nossas ações tornam-se testemunho visível de que o Criador age em nós e por nós.