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Crédito: Reprodução da Internet
Na longa e luminosa história da Igreja Católica, poucos temas exigem tanta clareza doutrinal quanto aqueles que tocam diretamente a unidade da fé, da comunhão e da obediência. Heresia, cisma e apostasia não são apenas palavras técnicas escondidas nos manuais de teologia: são realidades espirituais trágicas que ameaçam a salvação das almas, rompem a unidade do Corpo Místico de Cristo e ofendem gravemente a Deus. Entender essas realidades à luz da doutrina católica é necessário, especialmente num tempo em que confusão e relativismo rondam até mesmo os fiéis mais bem-intencionados.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica, no número 2089, “heresia é a negação pertinaz, após ter recebido o batismo, de uma verdade que deve ser crida com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela”. Ou seja, o herege não é aquele que simplesmente ignora uma doutrina, mas aquele que, mesmo conhecendo o que a Igreja ensina como revelado por Deus, a rejeita voluntária e obstinadamente.
A heresia é, portanto, um pecado contra a fé, um desvio consciente e persistente da verdade revelada. São Tomás de Aquino afirma que “o pecado de heresia consiste na escolha de uma opinião conforme a própria vontade, preferindo-a à verdade divina ensinada pela Igreja” (Suma Teológica, II-II, q. 11, a. 1). O herege pode até manter exteriormente elementos do catolicismo, como práticas litúrgicas ou devoções, mas seu coração já não se submete à autoridade divina da Revelação transmitida pela Igreja.
A história da Igreja é marcada por heresias que exigiram duras batalhas doutrinais: o arianismo, que negava a divindade de Cristo; o pelagianismo, que minimizava a necessidade da graça; o protestantismo, que rejeitou a Tradição e o Magistério. Cada uma, em seu tempo, foi enfrentada com coragem por santos, doutores e concílios, sempre reafirmando a integridade da fé.
O cisma, por sua vez, fere a unidade da Igreja não pela negação de uma verdade revelada, mas pela recusa à submissão ao Romano Pontífice ou à comunhão com os membros da Igreja a ele unidos. É, portanto, um pecado contra a caridade e a unidade visível do Corpo de Cristo. O Código de Direito Canônico, no cânon 751, define: “Chama-se cisma a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele submetidos”.
São Jerônimo afirmava que “não há heresia sem cisma, nem cisma sem heresia”, pois embora distintos, muitas vezes os dois pecados se entrelaçam. Contudo, é teologicamente possível que alguém rompa com o Papa ou com a hierarquia legítima sem negar doutrinas de fé — ainda que, com o tempo, esse afastamento tenda a gerar erros doutrinários.
O exemplo mais clássico de cisma é o Cisma do Oriente, em 1054, quando os ortodoxos romperam com o Papa, mesmo mantendo a maioria das doutrinas e sacramentos. Outro exemplo é o cisma anglicano, iniciado sob Henrique VIII, que rapidamente degenerou em heresias doutrinais. Ambos demonstram como a desobediência e o orgulho, mesmo sem negar formalmente um dogma, podem ferir a unidade do rebanho de Cristo.
Se a heresia nega uma parte da fé e o cisma rompe com a comunhão hierárquica, a apostasia é o abandono completo da fé cristã. É, segundo o Catecismo, também no número 2089, “a rejeição total da fé cristã”. É o mais grave dos três pecados, pois representa um retorno à infidelidade depois de ter recebido a graça do batismo. O apóstata não nega apenas uma verdade ou desobedece à hierarquia: ele volta as costas a Cristo.
A apostasia é tratada com grande seriedade no Novo Testamento. São Paulo, em 2Tm 2,12, adverte: “Se o negarmos, também ele nos negará”. Já em Hb 6,4-6, o autor sagrado afirma que aqueles que “caíram depois de terem recebido a luz” se colocam numa situação espiritualmente desastrosa, pois é como se “crucificassem de novo o Filho de Deus”.
A apostasia pode se dar de maneira pública — como em casos de conversão a outra religião — ou silenciosa, quando alguém abandona completamente a prática da fé e a adesão interior às verdades reveladas. A apostasia contemporânea, infelizmente, tem tomado a forma da indiferença religiosa e do secularismo: almas batizadas, que viveram na fé, mas que hoje vivem como se Deus não existisse.
Embora diferentes em natureza, heresia, cisma e apostasia partilham de um fundo comum: a recusa da autoridade divina que se manifesta através da Igreja. Seja negando verdades reveladas (heresia), seja rompendo com a unidade visível da hierarquia (cisma), seja rejeitando completamente a fé (apostasia), o pecado está na autossuficiência do homem que prefere seguir sua própria razão, vontade ou interesses a submeter-se a Deus.
É por isso que o Concílio Vaticano II, em Lumen Gentium 14, afirma com clareza: “não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi instituída por Deus através de Jesus Cristo como necessária, recusam, mesmo assim, entrar nela ou nela perseverar”. A Igreja, como arca de salvação, foi estabelecida por Cristo, e resistir a ela é resistir ao próprio Cristo.
A Igreja não é apenas a guardiã da verdade: ela é também mãe e mestra, que deseja curar as feridas da alma com a medicina da graça. Por isso, mesmo diante de um herege, cismático ou apóstata, sua postura é, antes de tudo, de busca pela conversão e reconciliação. O Direito Canônico prevê penas como a excomunhão para esses casos (cânon 1364), mas sempre com a esperança de que a verdade leve à penitência e ao retorno.
Santos como Santo Agostinho, São Francisco de Sales e São Pedro Canísio gastaram suas vidas combatendo os erros com caridade e inteligência, sem jamais transigir com a verdade. A resposta da Igreja é firme, mas não é vingativa: ela deseja, como Cristo, que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.
Numa era em que a fé é diluída, as autoridades são desacreditadas e o erro é tolerado sob o pretexto da liberdade, o fiel católico é chamado a um testemunho firme, consciente e humilde. Heresia, cisma e apostasia não são apenas eventos históricos: são tentações permanentes que podem espreitar qualquer coração que se afaste da oração, do estudo do catecismo, dos sacramentos e da obediência.
A vigilância é, portanto, um dever. Como dizia São Paulo: “Examinai-vos a vós mesmos, se estais na fé” (2Cor 13,5). E como suplicava Santa Teresa de Jesus: “Senhor, ou morrer ou não cometer jamais uma só falta contra Vós!”. Que Deus nos conceda a graça da fidelidade até o fim — fidelidade que não é sentimentalismo, mas adesão firme à doutrina, à hierarquia legítima e à comunhão da Igreja, fora da qual não há salvação.