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Crédito: Reprodução da Internet
Santa Teresinha do Menino Jesus não se contentou com pequenas devoções ou com uma piedade conformista. Aos 24 anos, poucos meses antes de morrer, ela redigiu um ato que se tornou um dos textos mais ousados da espiritualidade católica: a Oferenda de si mesma como holocausto ao Amor Misericordioso. Neste gesto, Teresinha não apenas ofereceu pequenos atos ou sofrimentos diários, mas se colocou inteira, sem reservas, como vítima do Amor de Deus. Essa espiritualidade, profundamente enraizada na doutrina da Igreja, lança luz sobre como cada fiel é chamado a transformar sua vida em sacrifício vivo e confiante.
Em junho de 1895, já como carmelita em Lisieux, Teresinha percebeu que Deus não pedia dela obras grandiosas ou feitos heroicos. O que Ele desejava era algo mais radical: a entrega total sem reservas. Foi então que escreveu: “Desejo ser vítima do Amor, ofereço-me como holocausto ao vosso Amor Misericordioso”. Essa escolha não nasceu de um excesso de emoção, mas de uma compreensão profunda da lógica do Evangelho: Cristo se entregou por nós, logo, o cristão é chamado a devolver-se a Ele em ato de confiança total.
Na tradição espiritual, havia muitas orações de “vítima da justiça divina” — pessoas que ofereciam seus sofrimentos para aplacar a justiça de Deus. Teresinha rompeu com esse viés: ela quis ser vítima não da justiça, mas do Amor Misericordioso. Isso é teologicamente revolucionário: mostra que a essência da relação com Deus não é medo da condenação, mas abandono na misericórdia. Ela antecipou, com seu ato, a teologia da Divina Misericórdia que floresceria depois em Santa Faustina.
O que Teresinha fez não é invenção pessoal. São Paulo já exortava: “Oferecei os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual” (Rm 12,1). A oferenda de si como holocausto é exatamente isso: transformar a vida em culto. O Catecismo da Igreja Católica confirma: “O sacrifício cristão consiste em oferecer-se a si mesmo em união com o sacrifício de Cristo” (CIC 2100). Teresinha apenas viveu essa verdade com intensidade incomum.
Não se pode esquecer: a oferenda de Teresinha é inseparável da Eucaristia. Ao entregar-se como holocausto, ela se unia ao sacrifício perfeito de Cristo renovado no altar. Sua vida tornou-se prolongamento da Missa. Isso é fundamental: não há espiritualidade de oferenda sem enraizamento eucarístico. Cada comunhão que recebia era ocasião para renovar essa entrega radical.
A oferenda teresiana tem também um sentido reparador e missionário. Ao entregar-se ao Amor Misericordioso, ela o fazia pelas almas, pelos pecadores, pela Igreja. É a lógica da comunhão dos santos: o que um oferece, beneficia todo o Corpo Místico. Na sua clausura, Teresinha se tornou missionária universal, patrona das missões sem nunca ter saído do Carmelo. Sua oferta a fez participante da obra redentora de Cristo de forma mística, mas real.
O gesto de Teresinha desarma uma espiritualidade de medo. Sua entrega mostra que a santidade não é um acúmulo de méritos pessoais, mas um abrir-se à misericórdia de Deus. “Não posso ter medo de um Deus que por mim se fez tão pequeno…”, escreveu ela. Esse é o núcleo da sua audácia: ao invés de tremer diante da justiça, ela se lançou confiante no fogo do Amor. É o oposto do escrúpulo: é a confiança que gera liberdade interior.
A Igreja reconheceu o alcance universal dessa espiritualidade. Ao proclamá-la Doutora da Igreja em 1997, São João Paulo II a chamou de “doutora da ciência do amor”. O Papa afirmou que sua oferenda ao Amor Misericordioso é um “verdadeiro caminho espiritual para todo o Povo de Deus”. Ou seja: não é uma devoção opcional, mas um modelo seguro e fecundo de santidade para todos.
Alguém pode pensar: “Isso é só para freiras carmelitas”. Não. É para todos os batizados. Como aplicar?
Quem oferece tudo a Deus como Teresinha descobre uma liberdade surpreendente: nada se perde, nada é em vão. A vida adquire peso eterno. E mais: a oferenda gera frutos missionários invisíveis. Teresinha morreu desconhecida, mas hoje é padroeira das missões e doutora da Igreja. O que é oferecido no escondimento se multiplica no plano de Deus.
Oferecer tudo a Deus, no estilo de Santa Teresinha, não é romantismo piedoso, mas ato radical de fé. É pôr a própria vida no altar, sem reservas, confiando que o Amor Misericordioso transformará cada gesto em graça para o mundo. Ousadia? Sim. Mas ousadia enraizada na certeza de que Deus é mais Pai do que Juiz, mais Misericórdia do que Medo.
Santa Teresinha nos convida, portanto, a sermos vítimas do Amor. Não vítimas do acaso, não vítimas da justiça, mas vítimas felizes de um Deus que tudo transforma quando tudo Lhe é oferecido.