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Para compreender a liturgia católica em sua profundidade, é essencial reconhecer que ela não surge do nada, tampouco é fruto de invenções humanas arbitrárias. A liturgia nasce do diálogo vivo entre a Aliança antiga, feita com o povo de Israel, e a Aliança nova, consumada em Cristo. Por isso, a presença de símbolos judaicos na liturgia católica é uma evidência clara da continuidade da revelação divina. Esses símbolos não apenas apontam para a origem da fé cristã, mas são também expressões sacramentais da mesma verdade que a Igreja guarda e proclama.
A Igreja primitiva, como revelam os Atos dos Apóstolos e as cartas paulinas, nasceu no contexto do judaísmo. Jesus e os Apóstolos participaram de ritos judaicos, como a Páscoa, e usaram símbolos familiares ao povo de Deus. O Concílio de Jerusalém (Atos 15) deixou claro que a nova fé não rejeitava, mas cumpria e transcendia a antiga Aliança. Os primeiros cristãos, então, mantiveram práticas e símbolos que possuíam um significado renovado em Cristo.
A liturgia, especialmente a Eucaristia, é o centro dessa continuidade. Como nos lembra a Carta aos Hebreus (9,15), Cristo é o mediador da nova Aliança, superior e definitiva. Portanto, a Igreja mantém símbolos judaicos — como o pão ázimo, o vinho, o incenso, a luz — porque eles são linguagem sagrada que aponta para o mistério da salvação.
Dentre os símbolos judaicos presentes na liturgia, destacam-se alguns que, ao longo da história, foram incorporados e carregam significado profundo.
A menorá, o candelabro de sete braços, remete à luz divina e à perfeição da criação. Na liturgia, a luz representa Cristo, “luz do mundo” (Jo 8,12), e a presença do Espírito Santo que ilumina os fiéis. O uso da luz na missa, seja nas velas ou no candelabro, é um convite a entrar no mistério da vida nova em Cristo.
A Arca da Aliança, peça central do culto judaico, simbolizava a presença de Deus no Templo. Hoje, ela encontra cumprimento no sacrário, que guarda o Santíssimo Sacramento. Essa ligação demonstra a continuidade da presença real de Deus entre seu povo, um mistério que ultrapassa o tempo.
O incenso, usado no Templo para simbolizar as orações que sobem a Deus (Sl 141,2), é utilizado na missa para lembrar a santidade do culto e a adoração verdadeira. Sua fumaça ascendente é sinal do sacrifício espiritual dos fiéis.
Finalmente, os elementos da Páscoa judaica — o pão ázimo e o vinho — assumem um novo significado na Última Ceia, instituída por Cristo como memória de seu sacrifício. O pão e o vinho tornam-se seu Corpo e Sangue, verdadeiro alimento espiritual para a salvação.
A liturgia católica não é uma coleção aleatória de símbolos; é um corpo coerente de sinais e ritos que expressam a fé. O Papa São João Paulo II, em Ecclesia de Eucharistia (2003), destaca que a Eucaristia é “o memorial da Páscoa de Cristo”, e que “na liturgia da Igreja, a Aliança nova e eterna se faz presente” (n. 6). Ou seja, a liturgia é o lugar onde o passado encontra o presente de forma misteriosa e eficaz.
O Concílio Vaticano II, em Sacrosanctum Concilium (n. 5), também afirma que a liturgia é “fonte e ápice da vida cristã”. Essa afirmação aponta que os símbolos judaicos, que estiveram na origem da fé, são parte viva da Igreja e devem ser compreendidos para que o culto seja vivido em plenitude.
Compreender esses símbolos não é mero exercício acadêmico, mas alimento para a vida espiritual. Em uma época em que o ritual muitas vezes é banalizado ou reduzido a formalismo, reconhecer a riqueza simbólica é chave para uma participação mais profunda e consciente. A fé que se expressa por meio dos símbolos fortalece a união do fiel com Cristo e sua Igreja.
Além disso, diante do relativismo religioso, a valorização dos símbolos reforça a identidade católica e a consciência de pertencer ao povo de Deus, herdeiro da Aliança eterna. É um escudo contra a superficialidade e uma âncora para a fidelidade.
Um exemplo claro do poder dos símbolos judaicos foi a Batalha de Lepanto (1571). A vitória cristã foi atribuída à intercessão da Virgem Maria, mas também ao fortalecimento espiritual que a liturgia e seus símbolos proporcionavam ao povo. Outro momento histórico foi a Reforma Protestante, que, ao rejeitar muitos símbolos e ritos, gerou divisões profundas. A Igreja Católica, por sua vez, reafirmou seu apego aos símbolos como expressão da fé verdadeira e da unidade na diversidade ritual.
A presença dos símbolos judaicos na liturgia católica é testemunho vivo de que a fé cristã é continuidade e cumprimento. Conhecer, valorizar e participar desses símbolos com consciência fortalece o vínculo com a tradição apostólica e a comunhão com Cristo. Em um mundo que corre para a banalização do sagrado, esse resgate é um ato de coragem e fidelidade, uma luz que guia o caminho da verdadeira espiritualidade.