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Crédito: Reprodução da Internet
A Missa Tridentina, ou Missa segundo o Missal de 1962 promulgado por São João XXIII, tem experimentado um notável aumento de interesse nas últimas décadas. Esse movimento não se deve a uma suposta superioridade do rito antigo sobre a Missa celebrada no rito de Paulo VI (a chamada “Missa Nova”), pois a Igreja ensina com clareza que ambas possuem o mesmo valor, dignidade e eficácia sacramental, sendo a Eucaristia, em qualquer forma legítima, o mesmo Sacrifício de Cristo tornado presente. O Concílio Vaticano II (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 22 e 36) e documentos posteriores como Summorum Pontificum (2007) e Traditionis Custodes (2021) reconhecem a unidade da fé expressa em ambos os ritos, ainda que com diferenças legítimas de forma e expressão.
Porém, há razões muito concretas, espirituais e até psicológicas que explicam por que cresce o número de católicos, inclusive jovens, que buscam a Missa Tridentina. Não é uma fuga da Igreja pós-conciliar, mas uma busca por algo que o homem moderno tem perdido: tradição, sentido simbólico e sacralidade.
Vivemos numa época de liquidez e ruptura com tudo o que tenha sabor de antigo. O mundo pós-moderno cultua a novidade, a mudança veloz, a plasticidade de tudo — até da própria identidade humana. Zygmunt Bauman chamou isso de “modernidade líquida”: nada permanece, tudo flui. Nesse cenário, não é surpresa que pessoas sintam saudade do que não passa.
No catolicismo, essa saudade se manifesta na busca pela Tradição, entendida não como nostalgia estéril, mas como ligação viva com a fé dos séculos. O Catecismo da Igreja Católica ensina que a Tradição “transmite integralmente aos filhos da Igreja tudo quanto ela é e tudo quanto crê” (CIC, n. 78). Muitos católicos percebem que, ao frequentar a Missa Tridentina, são lançados numa experiência que ecoa séculos de fé ininterrupta — não apenas na doutrina, mas também na forma exterior do culto.
Uma característica marcante da Missa Tridentina é o silêncio litúrgico. Não o silêncio vazio, mas o silêncio impregnado de presença divina. Entre o sacerdote e Deus, entre Deus e o povo. O Papa Bento XVI explicou, em sua obra Introdução ao Espírito da Liturgia, que o silêncio “é parte integrante da ação litúrgica” e cria espaço para a escuta interior. Na Missa Nova, o silêncio é recomendado (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 30), mas muitas vezes não é vivido com a mesma intensidade.
Para muitos fiéis, o barulho constante do mundo (sons, telas, redes sociais) torna o silêncio litúrgico algo não apenas raro, mas profundamente necessário. A Missa Tridentina, com longos momentos silenciosos (especialmente o Cânon Romano em voz baixa), oferece um contraponto espiritual ao ruído do mundo.
O homem não vive só de conceitos, mas também de símbolos. A liturgia sempre foi carregada de signos visíveis que exprimem realidades invisíveis (cf. CIC, n. 1145-1149). Muitos que buscam a Missa Tridentina dizem sentir-se atraídos pela “linguagem simbólica rica e elevada” presente em seus gestos, paramentos, incenso, canto gregoriano, posição voltada para o Oriente litúrgico (ad orientem), uso frequente do latim.
Não é superstição nem mero esteticismo. São Tomás de Aquino ensina que “é próprio da natureza humana chegar ao espiritual pelas coisas sensíveis” (Suma Teológica, III, q. 60, a. 5). Na Missa Tridentina, tudo é cuidadosamente ordenado para expressar o sagrado, a hierarquia dos gestos, a reverência, o senso de mistério.
Para muitos fiéis, isso ajuda a recordar que não estão apenas “assistindo a uma celebração comunitária”, mas participando do Sacrifício incruento do Calvário tornado presente sacramentalmente. Essa consciência do sacrifício é destacada em documentos como Mediator Dei (Pio XII, 1947), que afirma que a Missa é essencialmente “o Sacrifício do Calvário renovado sacramentalmente sobre nossos altares”.
A Missa é, antes de tudo, latria: adoração devida somente a Deus. O Concílio Vaticano II jamais negou isso, mas sublinhou também o aspecto comunitário da celebração. Para muitos que buscam a Missa Tridentina, há uma percepção (às vezes subjetiva) de que, na forma tradicional, o centro é claramente Deus, não o sacerdote nem a assembleia.
A postura do sacerdote voltado para o altar (ad orientem) é frequentemente citada como um dos sinais mais fortes desse enfoque: o padre não “vira as costas” ao povo, mas conduz o povo para Deus, todos voltados na mesma direção. Bento XVI, em Spirit of the Liturgy, explica que “não se trata de o sacerdote estar de frente ou de costas para o povo, mas de todos estarem voltados na mesma direção: rumo ao Senhor que vem.”
Um dos fenômenos mais surpreendentes é o crescente número de jovens que se aproximam da Missa Tridentina. Isso pode parecer contraditório num tempo marcado pela tecnologia, mas justamente essa tecnologia, ao banalizar tudo, parece deixar muitos jovens famintos por o que é grandioso, eterno, ordenado e sagrado.
Movimentos como Juventutem, formados por católicos jovens que promovem o rito tradicional, são prova disso. O Cardeal Robert Sarah, em entrevistas e escritos, já comentou como a Missa Tridentina pode tocar profundamente o coração juvenil, não por ser antiga, mas por ser “radicalmente centrada em Deus”.
A busca pela Missa Tridentina não significa necessariamente rejeitar a Missa Nova. São João Paulo II deixou claro que “as duas formas do rito romano podem enriquecer-se mutuamente” (Ecclesia Dei, 1988). O Papa Bento XVI, em Summorum Pontificum, disse que “o que para as gerações anteriores era sagrado continua sendo sagrado e grande também para nós” (§ 5). E o Papa Francisco, embora tenha restringido alguns usos do rito antigo, jamais declarou inválida ou ilícita a Missa Tridentina. Ambos os ritos possuem igual valor sacramental.
O verdadeiro católico deve evitar divisões. Como ensina a Sacrosanctum Concilium, toda reforma ou preservação litúrgica existe “para promover a maior edificação dos fiéis” (n. 23). Por isso, a procura pela Missa Tridentina deve ser entendida não como oposição à Missa Nova, mas como legítimo anseio pela beleza, pelo sagrado e pela continuidade com a fé dos séculos.
A Igreja não é um museu de velharias. Mas também não é um laboratório de modismos. Sua força está em manter viva a Tradição, sem trancá-la no passado, nem dissolvê-la em invenções. O Papa Bento XVI escreveu que “na liturgia, não se trata de ‘fabricar’ algo, mas de entrar num dom que nos precede” (Spirit of the Liturgy). A Missa Tridentina é para muitos esse dom que os conecta à fé imemorial.
É por isso que cresce a busca pela Missa Tridentina: não por saudade estéril, nem por espírito de rebeldia, mas porque, no meio do caos do mundo, há corações que ainda anseiam por Deus, por beleza, por silêncio e pela certeza de que a fé católica não nasceu ontem — e não terminará amanhã.
Quem busca a Missa Tridentina, o faz muitas vezes porque reconhece nela sinais de eternidade num mundo que só fala de presente. E, ao fim das contas, seja no rito novo ou antigo, o essencial permanece o mesmo: o sacrifício redentor de Cristo, fonte e ápice da vida cristã (Lumen Gentium, n. 11). Que Deus nos dê sempre olhos para enxergar o sagrado — em qualquer rito legítimo da Sua Santa Igreja.