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Crédito: Manuel Augusto Moreno
Após quase duas semanas de hostilidades diretas entre Irã e Israel — o confronto mais aberto entre as duas potências em décadas — o cessar-fogo mediado por Donald Trump entrou em vigor ontem, 24 de junho, e permanece, até o momento, sem maiores violações nesta quarta-feira. Contudo, o que aparenta ser um alívio para a comunidade internacional ainda está longe de representar uma paz duradoura. A trégua, embora ativa, é frágil, instável e marcada por desconfiança mútua, retórica beligerante e expectativas contraditórias.
A seguir, uma análise completa do cenário atual, dos eventos mais recentes, das implicações militares e diplomáticas, bem como dos desafios que se impõem à estabilidade da região.
Na tarde de ontem (24), apenas minutos antes do horário marcado para o início oficial do cessar-fogo, o Irã lançou uma série de mísseis sobre a cidade israelense de Beersheba. Quatro civis morreram, dezenas ficaram feridos e um hospital teve de ser evacuado. A resposta israelense foi quase imediata: ataques aéreos atingiram centros militares em Isfahan e Shiraz, apesar das ordens iniciais de contenção.
Os acontecimentos revelaram a dificuldade real em conter movimentos armados no calor de uma guerra ideológica, onde o timing político nem sempre é respeitado pelos generais e seus cálculos estratégicos.
A ofensiva iraniana foi, segundo autoridades em Teerã, uma “última resposta” à destruição parcial de duas instalações nucleares dias antes, em ataques conduzidos por Israel com apoio logístico dos Estados Unidos. Apesar da intensidade e do simbolismo, relatórios de inteligência americanos indicam que o programa nuclear do Irã sofreu apenas um atraso de poucos meses — contrariando a versão triunfante apresentada por Trump.
O ex-presidente dos EUA, agora virtual candidato republicano à presidência em 2026, ocupou o centro da mesa de negociação e anunciou pessoalmente o cessar-fogo. No estilo que o caracteriza, declarou vitória: “Restauramos a ordem no Oriente Médio sem guerra prolongada. As armas foram silenciadas”, disse em Haia, durante reunião da OTAN.
Embora seu protagonismo tenha sido real, a imposição da trégua teve um custo político para ambas as partes: Trump ameaçou congelar auxílio militar a Israel caso novos bombardeios fossem realizados sem autorização americana. Já ao Irã, foi advertido que um avanço agressivo em seu programa nuclear — ou novos ataques a bases dos EUA na região — resultaria em sanções multilaterais e isolamento total.
A eficácia dessa diplomacia coercitiva ainda será testada nos próximos dias.
No interior de Israel, a reação política ao cessar-fogo é ambígua. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou apoio à proposta americana, mas enfrentou críticas da ala mais à direita de sua coalizão, que exigia uma resposta mais dura contra os ataques iranianos. Há também a pressão do eleitorado, cada vez mais impaciente com a continuidade dos conflitos com o Hamas e a falta de resolução para o caso dos reféns sequestrados em Gaza.
No plano militar, o exército israelense suspendeu operações ofensivas diretas contra o Irã, mas mantém estado de prontidão elevado. Comandantes das Forças de Defesa de Israel (IDF) alertam que os centros de comando e controle do Hezbollah, no sul do Líbano, podem estar se mobilizando para uma eventual ofensiva surpresa.
O governo tenta agora equilibrar pressão doméstica, vigilância externa e obediência às exigências americanas — o que torna o cenário político interno ainda mais inflamável.
Em Teerã, o cessar-fogo foi recebido com moderação. O governo afirmou que “o povo iraniano jamais se ajoelhará diante de ameaças” e reiterou sua intenção de continuar seu programa nuclear “para fins exclusivamente pacíficos”. No entanto, o parlamento iraniano aprovou nesta manhã novas restrições ao acesso da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a instalações-chave, o que pode agravar tensões com o Ocidente.
Além disso, autoridades iranianas executaram três homens acusados de colaborar com serviços de inteligência estrangeiros — numa clara demonstração de que o regime não está disposto a tolerar dissidências durante o período de alta vulnerabilidade.
Apesar do controle narrativo, o país sofreu perdas humanas significativas (mais de 600 mortos, segundo fontes independentes), danos a centros de pesquisa, quedas no fornecimento elétrico em cidades estratégicas e perda temporária de acesso a sistemas financeiros externos. Ainda assim, a resiliência econômica e a rápida retomada da comunicação digital indicam um grau de preparação superior ao de guerras anteriores.
Nos mercados globais, o cessar-fogo gerou alívio imediato. O petróleo caiu 3%, refletindo menor risco de interrupções no Golfo Pérsico. O dólar enfraqueceu frente ao euro, e bolsas asiáticas operaram em alta. No entanto, analistas alertam que a instabilidade da trégua pode inverter rapidamente essas tendências.
A União Europeia, China e França se manifestaram em apoio ao cessar-fogo, mas condicionaram qualquer negociação futura com o Irã à retomada das inspeções nucleares. A Índia se ofereceu como mediadora adicional, buscando ampliar sua influência regional. Já a Rússia, ausente das mesas de negociação, limitou-se a apoiar “a soberania do Irã e o direito à autodefesa”.
Apesar do silêncio temporário das armas, a questão de fundo — o programa nuclear iraniano e o direito de Israel de agir preventivamente — permanece sem resolução. O cessar-fogo, por ora, se assemelha mais a um armistício tático do que a um verdadeiro acordo de paz.
Ambos os países continuam se armando, monitorando-se mutuamente e reforçando alianças estratégicas. O Irã já insinuou que retomará o enriquecimento de urânio a 60% se não houver um novo tratado em até 90 dias. Israel, por sua vez, diz que “todas as opções continuam sobre a mesa”.
A trégua entre Irã e Israel representa, sem dúvida, um alívio necessário e momentâneo. Mas ela repousa sobre uma base instável, moldada por desconfianças históricas, rivalidades religiosas e interesses estratégicos incompatíveis. Se não houver esforços sérios de ambas as partes — com apoio coerente da comunidade internacional — o mundo pode estar apenas testemunhando o intervalo entre dois atos de uma peça explosiva.
E, como a história da região já mostrou diversas vezes, as pausas entre os conflitos tendem a ser curtas.