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A doutrina da Igreja Católica distingue com clareza entre dois efeitos do pecado: a culpa e a pena. Essa distinção, muitas vezes esquecida ou mal compreendida, é essencial para uma verdadeira conversão e para uma reta compreensão da justiça e da misericórdia divinas. A confissão sacramental, quando feita com as devidas disposições, apaga a culpa do pecado, reconciliando o pecador com Deus. Contudo, a pena temporal muitas vezes permanece, exigindo purificação, seja nesta vida, seja no purgatório.
A culpa é o estado de separação de Deus causado pelo pecado. No caso do pecado mortal, essa culpa rompe a amizade com Deus e, se não for perdoada antes da morte, leva à condenação eterna (Catecismo da Igreja Católica, §§1033–1037). No caso do pecado venial, ainda que não quebre a aliança com Deus, enfraquece a caridade, torna a alma mais propensa a cair em pecado mortal e merece penas temporais.
A confissão sacramental, com contrição sincera, confissão integral, propósito de emenda e absolvição válida, apaga a culpa do pecado mortal ou venial, restaurando o pecador à graça santificante (cf. CIC, §§1446–1449).
“Os que se aproximam do sacramento da Penitência obtêm da misericórdia de Deus o perdão dos pecados cometidos contra Ele e, ao mesmo tempo, reconciliam-se com a Igreja” (CIC §1422).
A pena é a consequência do pecado, que se divide em pena eterna e pena temporal:
O Catecismo da Igreja Católica é explícito:
“A absolvição tira o pecado, mas não remedeia todas as desordens que o pecado causou. Libertado do pecado, o pecador deve ainda recuperar plenamente a saúde espiritual. Deve, portanto, fazer algo mais para reparar os pecados: deve ‘satisfazer’ de forma apropriada ou ‘expiar’ os seus pecados. Esta satisfação também se chama ‘penitência’” (CIC §1459).
A distinção entre culpa e pena está solidamente enraizada nas Escrituras e confirmada pela Tradição.
O episódio mais claro é o do rei Davi (2Sm 11–12). Após cometer adultério com Betsabé e tramar a morte de Urias, o profeta Natã o repreende. Davi arrepende-se sinceramente, e o profeta lhe diz: “O Senhor perdoou o teu pecado; não morrerás” (2Sm 12,13). Contudo, imediatamente depois, anuncia a pena temporal: “Mas, como ultrajaste o Senhor com este ato, o filho que te nasceu morrerá” (2Sm 12,14).
Ou seja: a culpa foi perdoada, mas a pena permaneceu.
Santo Agostinho afirma:
“Ainda que os pecados sejam perdoados, permanecem as penas temporais a serem suportadas antes de se entrar no Reino dos Céus” (Enarrationes in Psalmos, 85,4).
São Gregório Magno, por sua vez, explica que a penitência temporal é ato de justiça e purificação da alma, permitindo que ela entre plenamente na comunhão com Deus.
Essa distinção mostra que Deus é, ao mesmo tempo, justo e misericordioso. A culpa é perdoada gratuitamente, mas a pena temporal nos educa, nos purifica e nos une à Cruz de Cristo.
O Concílio de Trento ensina:
“Se alguém disser que a pena devida pelo pecado é sempre remetida, junto com a culpa, pela remissão do pecado, como se não restasse nenhuma pena temporal a ser satisfeita, seja por esta vida, seja no purgatório, antes da entrada no Reino dos Céus: seja anátema” (Denzinger 1566 / DS 1580).
A pena temporal pode ser purificada nesta vida ou, se não for plenamente satisfeita, no purgatório, conforme ensina a doutrina católica.
As formas de purificação da pena temporal incluem:
O Catecismo ensina:
“A indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa” (CIC §1471).
Deus não age como um juiz humano que simplesmente “anula” os efeitos das ações. Ele é educador, Pai, e por isso permite que carreguemos a cruz das consequências temporais dos nossos atos para nosso crescimento em humildade, conversão e amor. É um instrumento medicinal e purificador, não uma simples “punição”.
São João Paulo II ensinava:
“A penitência, embora seja um ato doloroso, é um meio providencial para a nossa libertação interior e para o crescimento da vida nova recebida no Batismo” (Reconciliatio et Paenitentia, 31).
Compreender a distinção entre culpa e pena do pecado é essencial para não reduzir o sacramento da Penitência a um “apagador automático de pecados”. O pecado ofende a Deus e fere a ordem criada. A confissão nos reconcilia com o Pai, mas ainda devemos cooperar com Sua graça para restaurar a ordem ferida e purificar as raízes do mal que plantamos.
Assim como uma criança perdoada por quebrar um vaso ainda deve ajudar a limpar os cacos e talvez ficar sem sobremesa, o cristão, perdoado por Deus, assume a penitência como caminho de amor reparador. É um modo de participar da Cruz de Cristo, unindo-se ao Seu sacrifício redentor, que é o verdadeiro sentido da penitência católica: não pagar, mas amar com justiça.