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Crédito: Reprodução da Internet
A escatologia é o ramo da teologia que estuda as “últimas coisas” (do grego eschata, “finais”), ou seja, aquilo que concerne ao destino eterno do homem e do mundo: morte, juízo, céu, inferno, purgatório, parusia, ressurreição da carne, juízo final e a consumação de todas as coisas. Mas ao contrário do que muitos pensam, a escatologia não é um apêndice marginal da fé cristã, como se fosse uma curiosidade reservada a místicos ou apocalípticos. Ela é, segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC), “objeto da esperança cristã”, uma virtude teologal que nos lança para frente com firmeza, baseando-se na fidelidade de Deus e em Suas promessas.
O estudo escatológico é, portanto, absolutamente central: sem ele, a fé perde o horizonte e se reduz a uma ética horizontal ou a um ativismo terreno. Como diz São Paulo, “se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos os mais dignos de lástima de todos os homens” (1Cor 15,19). A escatologia é a resposta católica à inquietação radical do coração humano diante do mistério do fim.
A escatologia começa com a morte, porque é nela que o homem experimenta o limite radical da sua existência terrena. A morte, na perspectiva católica, não é o aniquilamento do ser, mas a separação da alma e do corpo. “A morte é o fim da peregrinação terrestre do homem, do tempo da graça e da misericórdia que Deus lhe oferece para realizar a sua vida terrestre segundo o projeto divino e para decidir o seu destino último” (CIC, 1013).
A tradição católica, sustentada pela doutrina imortal da alma (cf. Concílio de Latrão V, DS 1440), ensina que após a morte, a alma passa por um juízo particular, onde sua vida é examinada diante de Deus e seu destino eterno é determinado: céu, purgatório ou inferno.
Logo após a morte, a alma comparece diante do tribunal de Cristo. Não se trata de uma “espera” até o fim dos tempos: o juízo particular é imediato. O Catecismo afirma com clareza: “Cada homem, depois de morrer, recebe na sua alma imortal a retribuição eterna” (CIC, 1022). Isso está plenamente de acordo com a Sagrada Escritura: “Está estabelecido que os homens morram uma só vez, e depois disso vem o juízo” (Hb 9,27).
Esse juízo, realizado à luz da Verdade absoluta, revela toda a vida da pessoa diante de Deus. Ele não é apenas condenatório ou premiador, mas é o momento em que a alma compreende plenamente o peso de suas escolhas livres, sua adesão — ou recusa — à graça divina.
O céu é a meta última e a realização dos desejos mais profundos do homem, o estado supremo e definitivo da bem-aventurança. A Igreja o define como “a vida perfeita com a Santíssima Trindade, a comunhão de vida e de amor com Ela, com a Virgem Maria, os anjos e todos os bem-aventurados” (CIC, 1024).
O céu não é um lugar físico, mas um estado de união plena com Deus. Os que morrem na graça e na amizade de Deus, perfeitamente purificados, entram imediatamente na glória celestial. O Magistério insiste que esta é uma visão beatífica: “Pela sua morte e ressurreição, Jesus Cristo ‘abriu’ o céu aos homens” (CIC, 1026). Trata-se de ver Deus “face a face”, um gozo inexprimível e eterno.
A doutrina do purgatório é uma das mais belas expressões da misericórdia e da justiça divinas. Os que morrem na graça, mas ainda imperfeitos em sua conversão e purificação, passam por esse estado temporário de purificação antes de entrarem no céu. Como afirma o Catecismo, “a Igreja chama purgatório à purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados” (CIC, 1031).
O fundamento dessa doutrina está nas Escrituras e na Tradição. Em 2Macabeus 12,46 lemos: “É santo e salutar o pensamento de orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados”. O purgatório é, por assim dizer, o “vestiário” da eternidade, onde a alma se purifica do apego desordenado ao pecado.
A existência do inferno é uma verdade de fé. O inferno não é um castigo imposto arbitrariamente por Deus, mas a consequência da livre e definitiva rejeição da Sua graça. “Morrer em pecado mortal sem estar arrependido e sem acolher o amor misericordioso de Deus significa permanecer separado d’Ele para sempre por nossa própria e livre escolha” (CIC, 1033).
O inferno é a autodestruição da liberdade. Deus “não quer que ninguém se perca” (2Pd 3,9), mas respeita o livre-arbítrio. Os sofrimentos do inferno são, sobretudo, a ausência eterna de Deus, a perda da visão beatífica, como também o tormento espiritual da consciência e, segundo o ensino constante da Igreja, também os tormentos sensíveis.
Na escatologia católica, a salvação não é apenas da alma, mas do homem inteiro: corpo e alma. Por isso, a fé na “ressurreição da carne” é central. Como professamos no Credo, “creio na ressurreição da carne”. Trata-se de um dogma solene reafirmado pelo Concílio de Latrão IV e pelo Vaticano II (cf. LG, 48).
O corpo ressuscitado será glorioso, espiritualizado, impassível, incorruptível e semelhante ao Corpo glorioso de Cristo. Essa ressurreição ocorrerá por ocasião da segunda vinda de Cristo, a parusia, e será universal: “Todos os que estão nos túmulos ouvirão a voz do Filho do Homem e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; os que tiverem feito o mal, para a ressurreição da condenação” (Jo 5,28-29).
A segunda vinda de Cristo, chamada parusia, será o momento da manifestação gloriosa do Senhor, do juízo final e da renovação de todas as coisas. “Cristo reinará na glória quando tiver submetido todas as coisas ao Pai” (cf. 1Cor 15,24-28). A parusia marcará o fim da história como a conhecemos e o início da eternidade definitiva.
Diferentemente da primeira vinda, na humildade da encarnação, a segunda vinda será majestosa, pública, visível e universal. Cristo virá “julgar os vivos e os mortos” (Credo Niceno-Constantinopolitano), instaurando definitivamente o Reino de Deus.
O juízo final ocorrerá após a ressurreição dos mortos e a parusia. Ele não anula o juízo particular, mas o confirma e o revela diante de todos. Como ensina o Catecismo: “Será o momento da verdade definitiva sobre o relacionamento de cada um com Deus” (CIC, 1039).
Nesse juízo, todas as obras, até as mais ocultas, serão reveladas. Será uma manifestação da justiça e da misericórdia de Deus, onde cada um verá as consequências de seus atos na história da salvação. Cristo será o Juiz: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória (…), então se assentará no trono de sua glória” (Mt 25,31).
A escatologia católica culmina na promessa de “novos céus e nova terra” (Ap 21,1), onde “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28). O mundo atual passará, mas será transformado. Não se trata de uma destruição pura e simples, mas de uma transfiguração. “O universo visível está destinado a ser transformado” (CIC, 1047).
A criação, ferida pelo pecado, será libertada da corrupção (cf. Rm 8,19-21). O paraíso terrestre perdido será superado por uma realidade ainda mais gloriosa: a Jerusalém celeste, onde “não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor” (Ap 21,4).
A escatologia católica não é um fatalismo paralisante nem um escapismo piegas. Ao contrário: é um chamado à vigilância, à conversão constante e à caridade concreta. “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora” (Mt 25,13). A vida presente é o tempo da graça, da luta espiritual, da resposta ao amor de Deus.
A esperança escatológica fortalece o cristão na fidelidade cotidiana, ilumina os sofrimentos com sentido, e inspira a missão da Igreja no mundo. Como ensinou o Papa Bento XVI na encíclica Spe Salvi: “O céu não é um lugar qualquer do cosmos ou um canto do universo. O céu é onde Deus está, onde Cristo está, onde está a vida eterna”.
A escatologia católica é profundamente realista, mas também infinitamente consoladora. Ela nos lembra que a história não caminha para o caos, mas para Cristo. O fim não é um colapso, mas uma promessa. Como diz São João da Cruz: “No entardecer da vida, seremos julgados pelo amor”. E quem viveu do amor, não temerá o fim — pois já começou a viver o eterno.