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Crédito: Reprodução da Internet
Desde a Idade Média, as igrejas góticas se erguem nas cidades europeias como testemunhas silenciosas de uma fé viva, vibrante e profundamente catequética. Muito além de serem apenas obras arquitetônicas de beleza incomparável, essas catedrais foram projetadas como verdadeiras “Bíblias de pedra”. Cada coluna, cada vitral, cada estátua, cada relevo, cada gárgula — tudo tem um sentido espiritual, simbólico e pedagógico. Elas foram erguidas para falar ao analfabeto e ao letrado, ao camponês e ao nobre, ao curioso e ao penitente. Quem passa por elas sem entendê-las, vê apenas pedras; quem as lê com os olhos da fé, enxerga o Evangelho esculpido.
O surgimento do estilo gótico se deu na França, no século XII, com a construção da Abadia de Saint-Denis, cuja reforma foi liderada pelo abade Suger (1081–1151). Este homem, profundamente influenciado pela teologia da luz de São Dionísio Areopagita (autoridade patrística muito venerada na época), via na luz física uma representação da Luz Divina. Inspirado por isso, idealizou um novo tipo de arquitetura que fosse capaz de elevar a alma a Deus.
De Saint-Denis em diante, o gótico se espalhou pela Europa. Grandes catedrais como Notre-Dame de Paris, Chartres, Reims, Amiens e Colônia tornaram-se modelos dessa arquitetura que une técnica, fé e catequese.
O Magistério da Igreja, desde então, sempre viu na arte sacra um meio legítimo e necessário para a evangelização. O Concílio de Trento (1545–1563), embora posterior ao apogeu gótico, reforçou esse princípio ao declarar que as imagens sacras têm função pedagógica e espiritual: “Devem ser expostas nas igrejas imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus e dos santos, e devem ser veneradas, não porque se creia haver nelas alguma divindade ou virtude, mas porque a honra que lhes é prestada se dirige aos protótipos que elas representam” (Concílio de Trento, Sessão XXV).
As catedrais góticas foram erguidas em tempos em que a maioria da população era analfabeta. O povo simples não tinha acesso à leitura das Escrituras. A solução? Fazer com que a própria igreja se tornasse uma enciclopédia da fé. Um sermão tridimensional. Um Catecismo visível.

As fachadas principais frequentemente apresentam cenas do Juízo Final. Cristo em Majestade, os anjos com trombetas, os mortos saindo dos túmulos, os eleitos subindo ao Céu e os condenados sendo lançados ao Inferno. Tudo isso exposto de forma dramática para lembrar o povo da seriedade da vida moral.
Exemplo clássico: a fachada oeste da Catedral de Notre-Dame de Paris, com seu portal do Juízo Final, coloca Cristo como centro da história humana. A iconografia segue as descrições do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46) e do Apocalipse de São João.
Outros portais apresentam cenas do Antigo Testamento, da vida da Virgem Maria, da infância de Cristo ou da vida dos santos locais. A intenção é dupla: mostrar a unidade da história da salvação (Antigo e Novo Testamento) e oferecer modelos de santidade.
O uso da tipologia bíblica (onde figuras do Antigo Testamento prefiguram realidades do Novo) é frequente. Assim, por exemplo, Melquisedeque é representado como prefiguração de Cristo Sacerdote, enquanto Noé é figura de Cristo Salvador.
As gárgulas, aquelas figuras grotescas que muitas vezes assustam os visitantes modernos, têm uma função moralizante. Elas são símbolos dos pecados, dos vícios, das tentações e das forças demoníacas que rondam a humanidade. Sua presença fora da igreja e não dentro dela é proposital: os pecados e os demônios devem permanecer do lado de fora da Casa de Deus.
Santo Tomás de Aquino, embora não tenha escrito diretamente sobre as gárgulas, deixou princípios teológicos que ajudam a entender essa linguagem simbólica: “Tudo o que é sensível pode ser usado para mover a mente humana às realidades invisíveis” (cf. Summa Theologica, Iª, q. 1, a. 9).
Os vitrais são outra forma de catequese. Eles transmitem, com o uso da luz, episódios da Bíblia e da vida dos santos. Além disso, simbolizam a penetração da Graça na alma humana. A luz do sol atravessa o vidro colorido como a Graça atravessa o coração, iluminando-o com as verdades divinas.
O Catecismo da Igreja Católica, ao falar sobre a arte sacra, destaca que “a beleza é uma forma de pregação silenciosa, que conduz os homens à verdade e à bondade” (CIC, n. 2502).

Os arcos ogivais, as abóbadas nervuradas e os pilares altos conduzem o olhar para o alto. Tudo na arquitetura gótica aponta para o Céu, cumprindo o que Santo Agostinho disse em suas Confissões: “Fizeste-nos para Ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Ti” (Confissões, I, 1, 1).
A verticalidade das igrejas góticas é uma pregação em pedra da transcendência de Deus. O próprio espaço físico obriga o visitante a olhar para cima, a pensar nas realidades eternas, a sentir-se pequeno diante da grandeza de Deus.
Embora o foco deste artigo seja a iconografia e a estrutura, é impossível não destacar o lugar central que o Santíssimo Sacramento sempre ocupou nas igrejas góticas. O altar-mor, muitas vezes coroado por baldaquinos ou retábulos esculpidos, era o centro vital da catedral. Aqui, a Liturgia encontrava sua plenitude. A arquitetura e a arte sacra estavam a serviço do Mistério Eucarístico.
O Concílio Vaticano II, séculos depois, reforçaria essa verdade ao ensinar que “a liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força” (Sacrosanctum Concilium, n. 10).
Os mestres construtores medievais não trabalhavam por capricho artístico. Cada imagem tinha sua justificação teológica. Não havia espaço para arbitrariedades ou modernismos subjetivistas. A catedral era fruto de uma visão cosmovisional: tudo, absolutamente tudo, estava ordenado para a glória de Deus e a salvação das almas.
Padres, bispos e teólogos acompanhavam o trabalho dos arquitetos e escultores. Não era arte pela arte. Era arte a serviço da Verdade. Como afirma o Papa São João Paulo II em sua Carta aos Artistas: “A beleza é um chamado ao transcendente. É um convite a saborear a alegria da contemplação e da adoração” (Carta aos Artistas, 1999).
As igrejas góticas não foram erguidas para agradar o olhar moderno, viciado em minimalismos ou em abstrações estéreis. Elas são, antes de tudo, um testemunho concreto de uma Igreja que nunca teve medo de proclamar a Verdade com firmeza, beleza e esplendor.
Em tempos de relativismo e de perda do sentido do sagrado, visitar uma catedral gótica é como folhear uma Bíblia em pedra — um lembrete de que a Fé Católica sempre falou todas as línguas, inclusive a da arquitetura. Não há desculpa para a ignorância: basta abrir os olhos, o coração e deixar-se evangelizar.