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Crédito: Pascal Deloche | Godong
Desde os tempos mais remotos da Revelação, o uso do incenso esteve entrelaçado com a adoração verdadeira a Deus. Na liturgia católica, especialmente na Missa solene — e com particular esplendor na forma extraordinária do Rito Romano — o incenso não é mero adorno sensorial: ele é sinal visível de uma realidade invisível, expressão simbólica de adoração, oração, sacrifício e presença divina. Como tudo na Igreja, nada é gratuito ou supérfluo: cada grão que arde no turíbulo é uma catequese silenciosa sobre o mistério de Deus.
O uso do incenso foi instituído pelo próprio Deus no culto do Antigo Testamento. No livro do Êxodo, encontramos a ordem clara:
“Farás também um altar para queimar incenso… Aarão queimará sobre ele incenso aromático cada manhã quando preparar as lâmpadas…”
(Êxodo 30,1-7)
O incenso era queimado no “altar do incenso”, em frente ao Santo dos Santos, onde a nuvem perfumada simbolizava a presença de Deus e a oração contínua do povo. É importante notar que o uso litúrgico do incenso estava reservado ao culto legítimo, conforme o rito prescrito. Em Levítico 10, o castigo de Nadab e Abiú ao oferecerem “fogo estranho” mostra que Deus não aceita culto inventado ao bel-prazer humano.
O Salmo 140 (versículo 2) reforça o caráter espiritual e oracional:
“Suba até vós a minha oração como incenso, e o erguer de minhas mãos como oferenda vespertina.”
Esse versículo será usado, inclusive, na própria liturgia da Missa quando o sacerdote incensa o altar.
É no último livro da Escritura que o simbolismo atinge seu ápice. São João tem uma visão da liturgia celeste e vê o incenso como parte inseparável da adoração eterna:
“E veio outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro; e foi-lhe dado muito incenso, para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro diante do trono. E a fumaça do incenso com as orações dos santos subiu diante de Deus…”
(Apocalipse 8,3-4)
Aqui está a chave do simbolismo: o incenso representa as orações dos santos, ou seja, do povo de Deus. Quando a fumaça sobe, somos recordados de que a nossa oração, unida ao sacrifício de Cristo, ascende ao Pai como suave perfume espiritual. A Missa é, afinal, uma participação real na liturgia celestial.
A Tradição sempre entendeu o incenso como expressão de:
Santo Agostinho comenta:
“O incenso, com sua fragrância, representa o bom odor da oração, que sobe do coração puro e chega até Deus.”
(Sermo 225)
Santo Tomás de Aquino também aborda o tema no Summa Theologiae (III, q. 83, a. 5), explicando que o uso do incenso serve para aumentar a reverência, representar a oração dos fiéis e afastar distrações, inclusive sensíveis.
No Rito Romano, especialmente na forma extraordinária, o incenso é utilizado:
Cada incensação é acompanhada de orações próprias e gestos rituais. O celebrante abençoa o incenso com o sinal da cruz, pedindo a Deus que aceite aquele sinal como expressão do louvor da Igreja.
Vamos esmiuçar os principais significados:
Ao incensar o altar, a Igreja venera a pedra do sacrifício, sinal de Cristo, o verdadeiro altar. Como escreveu São Paulo:
“Cristo nos amou e se entregou por nós, como oferenda e sacrifício de agradável odor a Deus.”
(Ef 5,2)
Quando o pão e o vinho são incensados, a Igreja une à oblação de Cristo o oferecimento dos fiéis, simbolizando a transformação de suas vidas em hóstias vivas (Rm 12,1).
Incensar o sacerdote e os fiéis lembra que ambos participam do sacerdócio de Cristo — o ministro de forma sacramental, o povo de forma espiritual. Todos devem estar unidos ao sacrifício do altar.
No Evangelho e na Eucaristia, o incenso indica a presença do próprio Senhor. A nuvem aromática recorda a coluna de fumaça que acompanhava Israel no deserto (Ex 13,21) e o momento da Transfiguração, quando uma “nuvem luminosa” envolveu Jesus no Monte Tabor (Mt 17,5).
O incenso, ao envolver os sentidos, lembra que a liturgia não é apenas um ato racional, mas uma experiência total — corpo e alma. Não se trata de teatro: trata-se de realidade sagrada que exige resposta interior. O cheiro do incenso é como que o “cheiro do Céu” invadindo a Terra.
“As ações litúrgicas não são celebrações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o ‘sacramento da unidade’, ou seja, povo santo reunido e ordenado sob a direção dos bispos.”
(Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, 26)
Em tempos de liturgias minimalistas e racionais demais, o incenso pode parecer supérfluo ou “medieval demais”. Esse é um erro grave. A perda dos sinais sagrados empobrece a alma e afasta o fiel da realidade espiritual. Não é o excesso de beleza que afasta de Deus, mas sua ausência.
Como lembra Bento XVI:
“Na liturgia, não há nada de supérfluo. Quando os sinais são abolidos, o espírito se esvazia.”
(Discurso à Cúria Romana, 22/12/2005)
O incenso na Missa é muito mais que um detalhe litúrgico. É um sacramental potente, rico de simbolismo e tradição, que conecta o culto terreno ao eterno, o sensível ao espiritual, o visível ao invisível. Ele expressa a oração da Igreja, o louvor dos santos e o sacrifício de Cristo que sobe ao Pai em cada altar.
Quando o turíbulo balança e a fumaça sobe, que nossas almas se elevem com ela — com reverência, devoção e temor de Deus. Pois ali, entre a nuvem e o silêncio, Deus se faz presente.