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Crédito: Reprodução da Internet
Falar em “jejum eucarístico” não é apenas mencionar um detalhe disciplinar da Igreja. É falar de reverência, de fé na Presença Real de Cristo na Eucaristia e de uma longa tradição que atravessa séculos. Para muitos católicos, o jejum antes da comunhão parece apenas uma regra prática — mas sua importância é muito mais profunda, pois toca diretamente na maneira como vemos a Santíssima Eucaristia: não como comida comum, mas como o Corpo e o Sangue do Senhor. Vamos mergulhar, sem superficialidade, nesse tema tão crucial para a fé católica.
O jejum eucarístico tem raízes antiquíssimas. Já nos primeiros séculos, cristãos jejuavam antes de receber a Eucaristia, seguindo uma convicção: ninguém deveria se aproximar do altar “de estômago cheio”. Santo Agostinho dizia: “É costume da Igreja jejuar antes de receber o Corpo de Cristo” (Epistula 54). A lógica era clara: aproximar-se do Corpo de Cristo exigia pureza não só espiritual, mas também corporal, como sinal de respeito.
No século IV, Santo Ambrósio também testemunha esse costume. O Concílio de Cartago (ano 393) proibiu inclusive que a Missa fosse celebrada depois das refeições. Ou seja, a prática de jejuar antes da comunhão não é invenção medieval, mas algo incorporado à vida litúrgica da Igreja desde o cristianismo primitivo.
A disciplina foi se tornando mais rígida na Idade Média. O costume de jejuar desde a meia-noite (jejum “à la romaine”) se consolidou como norma universal. O Papa Pio XII, na Encíclica Christus Dominus (1953), lembra que “o jejum eucarístico foi considerado sempre pela Igreja como um meio muito adequado para preparar os fiéis a receberem o Corpo do Senhor com maior fruto e devoção.”
Assim, até meados do século XX, qualquer alimento ou bebida (inclusive água) quebrava o jejum eucarístico. Essa prática, embora profundamente piedosa, criava dificuldades sobretudo para missas vespertinas ou noturnas — até então, algo raro.
Com as mudanças sociais e a necessidade de missas à tarde ou à noite (sobretudo durante e após a II Guerra Mundial), o Papa Pio XII flexibilizou a disciplina. Primeiro, reduziu o jejum para três horas antes da comunhão (Constituição Apostólica Christus Dominus, 1953).
São Paulo VI, por sua vez, diminuiu o tempo para apenas uma hora antes da comunhão, disciplina vigente até hoje, conforme o Código de Direito Canônico de 1983 (cân. 919 §1):
“Quem vai receber a santíssima Eucaristia deve abster-se, ao menos durante uma hora antes da sagrada comunhão, de qualquer alimento ou bebida, excetuando-se apenas a água e os remédios.”
Há exceções: sacerdotes que celebram mais de uma Missa podem comungar mesmo sem intervalo de uma hora; idosos, enfermos e aqueles que cuidam deles podem comungar sem observar o jejum (cân. 919 §§2-3).
Seria um erro gigantesco achar que o jejum eucarístico é apenas uma “regrinha” disciplinar. Na tradição católica, ele é:
São João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia (2003), afirmou que “a Eucaristia não pode ser celebrada sem que se manifeste nela plenamente a consciência de se estar diante do Mistério.” O jejum eucarístico é um desses sinais concretos de consciência.
É verdade que, após a flexibilização, muitos católicos esqueceram até que existe o jejum eucarístico. Alguns sacerdotes quase nunca o mencionam, temendo “afastar” os fiéis. Porém, a Igreja nunca aboliu essa prática, justamente porque ela educa na reverência.
O Papa Bento XVI foi claríssimo sobre a necessidade de redescobrir a sacralidade da Eucaristia. Em sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (2007), disse:
“Há necessidade de redescobrir e valorizar o jejum eucarístico como disposição interior para o encontro com o Senhor.”
Em tempos de “comunhão fácil”, retomar o jejum eucarístico em sua profundidade pode ajudar a reacender o senso do sagrado, afastando a tentação de banalizar o maior Mistério da fé.
Muitos católicos tradicionalistas, especialmente aqueles ligados à Missa Tridentina, mantêm o costume de jejuar três horas ou mesmo desde a meia-noite, embora saibam que hoje não é obrigatório. Não se trata de desprezar a disciplina atual, mas de buscar maior fervor, seguindo o conselho de São Paulo: “Examinai tudo; retende o que é bom” (1Ts 5,21).
Nada impede que qualquer fiel faça um jejum mais longo, desde que sem escrúpulos excessivos. É uma linda forma de amor à Eucaristia, contanto que não vire vaidade espiritual.
O jejum eucarístico é um gesto pequeno, mas profundamente carregado de significado. Ensina-nos que não vamos a uma refeição qualquer, mas ao Banquete do Cordeiro, onde recebemos o próprio Deus. Longe de ser formalidade vazia, é expressão de fé, de amor e de santa reverência.
Na vida católica, cada detalhe — até o ficar em jejum — é linguagem para dizer ao Senhor: “Tu és Santo, Senhor, e eu me preparo para Te receber.” E, convenhamos, jejuar uma hora para receber o Rei do Universo… não parece tão difícil assim, não é?