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Crédito: Reprodução da Internet
“A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido” (Lc 12,48). Esta frase, dita por Nosso Senhor Jesus Cristo, não é apenas um ensinamento moral, mas um princípio absoluto da vida cristã que atravessa os séculos com o mesmo vigor e exigência. O evangelho de hoje nos confronta com a realidade dura e indispensável da responsabilidade que acompanha os dons e graças recebidos de Deus. Mais do que uma advertência, é um chamado firme à vigilância, à fidelidade e ao zelo na administração dos bens espirituais e materiais confiados a cada um.
Para compreender a profundidade dessa passagem, é necessário situá-la no contexto da época em que São Lucas a escreveu. A comunidade cristã primitiva enfrentava perseguições, inseguranças e a constante ameaça da dispersão. Para esses fiéis, a promessa da volta do Senhor estava cheia de mistério e exigia uma postura de vigilância constante. A parábola do servo fiel e do servo infiel ilustra de forma clara a exigência de responsabilidade diante do mistério da segunda vinda de Cristo e da administração dos dons recebidos.
Neste contexto, “muito dado” não se restringe aos bens materiais, mas abarca, sobretudo, os dons espirituais, o conhecimento da fé e a missão evangelizadora. Jesus deixa claro que a justiça divina é rigorosa e proporcional ao grau de graça recebido. A negligência ou a presunção do servo infiel, que diz “não virá por muito tempo”, revela uma infidelidade grave que não pode ser tolerada. A vigilância se torna, portanto, uma obrigação não apenas para os líderes e ministros da Igreja, mas para todos os batizados que receberam a missão de serem luz no mundo.
O Magistério da Igreja reafirma esta verdade de forma incisiva. São João Paulo II, em sua Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, lembra que “a fé recebida deve ser cultivada e partilhada com generosidade e empenho” (n. 33). A responsabilidade cresce na medida em que aumenta a graça concedida. Não se trata apenas de um dever humano, mas de um encargo divino, que deve ser levado com humildade e temor filial.
São Francisco de Assis é um exemplo paradigmático dessa consciência. Ele encarou a missão com a convicção profunda de que administrar o que é de Deus exige extrema vigilância e entrega total. Em suas palavras e ações, manifestou um temor santo diante do serviço que lhe foi confiado, sabendo que “muito foi dado, muito será cobrado”. Esse temor não é medo paralisante, mas uma atitude reverente e zelosa diante da graça, que deve estar sempre presente em todos os cristãos, sobretudo nos ministros ordenados.
No mundo moderno, marcado pela velocidade da comunicação e pela superficialidade, esse ensinamento assume uma relevância ainda maior. Hoje, “muito dado” significa também o amplo acesso à doutrina, aos meios de evangelização, aos ministérios diversos e ao testemunho público da fé. A facilidade das redes sociais amplia as possibilidades, mas também aumenta a responsabilidade. A transmissão fiel do Evangelho exige uma postura vigilante contra as distorções, os relativismos e a acomodação.
Administrar bem os dons divinos hoje implica fidelidade ao depósito da fé, ao ensinamento perpétuo da Igreja, sem concessões às modas passageiras ou ideologias que se afastam da verdade. A negligência espiritual e doutrinária é um pecado grave, pois expõe a alma ao juízo severo que Cristo anuncia. Por isso, a Igreja insiste em formar seus ministros e fiéis para a vivência coerente da fé, alimentada pela oração, estudo e ação pastoral zelosa.
A parábola do evangelho não é mera teoria, mas tem consequências práticas e espirituais profundas. O juízo final considerará o grau de responsabilidade e zelo com que cada um administrou a graça recebida. Conforme o ensino católico, “muitos açoites” indica uma correção severa para quem tem pleno conhecimento e não o aplica com fidelidade. Já para quem desconhece, a pena será menor, mas o pedido de conversão permanece sempre urgente.
Essa realidade conecta-se diretamente com a doutrina do purgatório, que implica em um processo de purificação para quem, mesmo arrependido, precisa corrigir as consequências da má administração dos dons recebidos. É um alerta para todos que têm consciência de sua vocação e missão: a fidelidade e a vigilância são requisitos para a salvação plena.
Ao longo da história da Igreja, inúmeros santos testemunharam a importância dessa vigilância. São João Maria Vianney, o Cura d’Ars, é um exemplo claro de zelo sacerdotal. Diante do peso da missão, entregou-se com total dedicação à confissão, à pregação e à santificação do povo, consciente da responsabilidade de administrar os sacramentos como dom precioso. Mártires das catacumbas romanas também confirmam a exigência de fidelidade extrema diante da perseguição, conscientes de que “muito foi dado e muito será cobrado”.
Esses modelos permanecem como faróis para os católicos de hoje, mostrando que a radicalidade do Evangelho não é opção, mas obrigação para quem deseja a verdadeira santidade.
O evangelho de hoje é uma chamada que ressoa além dos séculos, um convite urgente a vivermos a fé com radicalidade, vigilância e amor zeloso. Receber muito de Deus é um privilégio imenso, mas sobretudo uma missão que exige entrega total. Não podemos nos permitir a negligência, a presunção ou a acomodação diante do que nos foi confiado.
Que cada cristão, especialmente os que ocupam ministérios e posições de liderança, se pergunte com sinceridade: como estou administrando os dons que recebi? Estou cumprindo com fidelidade a missão que Cristo me confiou? Só assim poderemos responder com alegria no final da jornada: “Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25,21).
Muito foi dado, e muito será cobrado — que esta verdade nos impulsione a um compromisso renovado com a vigilância, a fidelidade e a santidade, para a glória de Deus e a salvação das almas.