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Crédito: Reprodução da Internet
O calendário litúrgico da Igreja Católica reserva o dia 15 de setembro para a memória de Nossa Senhora das Dores, imediatamente após a festa da Exaltação da Santa Cruz. Essa proximidade não é acidental: o mistério da cruz e a presença de Maria são inseparáveis. A Virgem, de pé junto ao Calvário, torna-se não apenas testemunha, mas verdadeira participante da Paixão de Cristo. Como afirma o Concílio Vaticano II em Lumen gentium (n. 58), “ela sofreu profundamente com o seu Filho unigênito e associou-se de coração materno ao sacrifício d’Ele, consentindo amorosamente na imolação da vítima que dela nascera”. A memória litúrgica, portanto, não celebra uma dor vazia, mas a união íntima e fecunda da Mãe com a obra redentora do Filho.
A devoção a Nossa Senhora das Dores se consolidou gradualmente. No século XIII, a Ordem dos Servitas, surgida em Florença, foi determinante para difundir a meditação sobre as dores de Maria, especialmente por meio da Via Matris e da oração das Sete Dores. A espiritualidade servita via em Maria a mulher compassiva, que ensinava a transformar o sofrimento em confiança e intercessão. Com o tempo, várias dioceses e ordens religiosas começaram a celebrar liturgias próprias em honra da Virgem Dolorosa. Em 1817, o papa Pio VII, agradecido pela libertação após o cativeiro napoleônico, estendeu a festa para toda a Igreja. Mais tarde, as reformas do calendário litúrgico de Pio X e de Paulo VI fixaram definitivamente a memória em 15 de setembro, de modo a unir liturgicamente Mãe e Filho no mistério da cruz.
A piedade cristã identificou sete episódios como símbolos máximos da dor de Maria. São conhecidos como as “Sete Dores da Virgem”: a profecia de Simeão; a fuga para o Egito; a perda do Menino Jesus no Templo; o encontro com Jesus a caminho do Calvário; a crucifixão; a descida de Cristo da cruz; e o sepultamento do Senhor. Essas cenas não pretendem esgotar a vida de Maria, mas oferecem pontos de contemplação. Cada espada é, ao mesmo tempo, sofrimento humano e adesão sobrenatural ao plano de Deus. No hino medieval Stabat Mater, cantado até hoje em procissões e na liturgia, o fiel é convidado a “estar de pé com Maria”, aprendendo dela a transformar lágrimas em oração e dor em esperança.
A liturgia da memória de Nossa Senhora das Dores coloca o fiel dentro dessa experiência. As leituras apresentam o testemunho de Maria aos pés da cruz (Jo 19,25-27) e recordam a profecia de Simeão (Lc 2,33-35). As orações da missa falam da compaixão de Maria e da sua maternidade espiritual. Muitos lugares mantêm o costume de rezar, neste dia, o Rosário das Dores ou de entoar o Stabat Mater. É uma pedagogia espiritual: contemplando a dor da Mãe, aprende-se a amar o Crucificado e a reconhecer que a salvação passa pela entrega total. O culto não é mero sentimentalismo, mas expressão teológica da fé no mistério pascal.
O magistério sempre afirmou que Maria, unida intimamente ao Filho, teve participação única no mistério da redenção. O Papa São João Paulo II, na encíclica Redemptoris Mater (1987), recorda que Maria “foi associada de maneira especialíssima à obra do Redentor” (n. 18). Essa associação não diminui a mediação exclusiva de Cristo, mas a manifesta no modo próprio de Maria: pela fé, obediência e compaixão. Ao sofrer com o Filho, a Mãe da Igreja torna-se modelo de como cada cristão é chamado a unir-se a Cristo no sofrimento e na esperança da ressurreição. Essa dimensão doutrinal dá à memória litúrgica uma densidade que ultrapassa qualquer interpretação superficial ou meramente devocional.
A Igreja, no Diretório sobre a piedade popular e a liturgia (2001), encoraja práticas devocionais ligadas a Nossa Senhora das Dores, desde que conduzidas com espírito autêntico e cristocêntrico. O Rosário das Sete Dores, as novenas, procissões e a Via Matris são exemplos que ajudam o povo fiel a entrar no mistério da compaixão da Virgem. Longe de um culto fechado em si mesmo, essas práticas conduzem ao Cristo sofredor e ressuscitado. Quando rezadas em comunidade, fortalecem também a solidariedade com os que hoje carregam cruzes pesadas: doentes, enlutados, pobres e perseguidos.
A memória de Nossa Senhora das Dores continua extremamente atual. Num mundo marcado por guerras, crises humanitárias e feridas pessoais, Maria aparece como sinal de que o sofrimento pode ser vivido com esperança. O Papa Francisco, em diversas homilias, recorda que Maria “ensina a permanecer de pé diante da cruz, sem fugir da dor, mas sustentando-a com amor e fé”. Esse testemunho é pastoralmente precioso: a Virgem Dolorosa não oferece uma teoria sobre o sofrimento, mas mostra como estar junto a quem sofre, transformando a compaixão em atitude concreta.
A devoção a Nossa Senhora das Dores encontrou expressão riquíssima na arte sacra e na música. Ícones bizantinos, imagens barrocas da Mater Dolorosa, quadros renascentistas e até representações contemporâneas trazem sempre o coração transpassado por sete espadas ou o olhar fixo no Crucificado. O hino Stabat Mater, atribuído a Jacopone da Todi, é um dos textos mais poderosos da literatura cristã, meditado em música por Palestrina, Pergolesi e outros grandes compositores. Esses símbolos não são ornamentais: ajudam a Igreja a sentir e rezar aquilo que as palavras nem sempre conseguem expressar.
Celebrar Nossa Senhora das Dores não significa apenas olhar para trás, mas aprender, no presente, a espiritualidade da compaixão. Cada cristão é chamado a unir suas dores às de Cristo, tendo Maria como modelo e intercessora. Essa festa recorda que a dor, iluminada pela fé, pode tornar-se espaço de redenção, solidariedade e esperança. A presença materna de Maria, “que não abandona seus filhos” (cf. Lumen gentium, 62), continua sendo para a Igreja uma garantia de que ninguém sofre sozinho. Em 15 de setembro, os fiéis contemplam a Mãe Dolorosa não como figura distante, mas como mãe viva e próxima, que ensina a estar junto da cruz até que venha a luz da ressurreição.