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Crédito: Reprodução da Internet
Desde os tempos mais antigos, o uso do incenso sempre esteve associado ao sagrado. Seu aroma, sua fumaça que sobe e se eleva, sua beleza sensorial — tudo isso o torna uma matéria profundamente simbólica. No contexto da Igreja Católica, porém, o incenso não é apenas um adorno litúrgico ou um perfume ritual: é um sacramental que carrega consigo significados teológicos profundos. Ele expressa a oração que se eleva a Deus, simboliza o sacrifício e revela, ainda, a presença da Majestade divina.
O Catecismo da Igreja Católica ensina que “a liturgia da Igreja supõe, integra e santifica elementos da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a dignidade de sinais da graça” (CIC, 1145). O incenso é um desses sinais: um elemento da natureza, usado desde o Antigo Testamento, que a Igreja assume e eleva a um novo significado em Cristo. Para compreender a profundidade desse sacramental, é preciso recorrer à Escritura, à Tradição e ao Magistério da Igreja.
O Salmo 140 (versículo 2) nos oferece a chave de interpretação espiritual mais tradicional do uso do incenso: “Suba até vós a minha oração como incenso, e minhas mãos levantadas como oferenda vespertina”. A fumaça que se eleva do turíbulo não é apenas um gesto visualmente belo, mas uma imagem visível do que a oração é em sua essência: um movimento ascendente da alma até Deus. Santo Agostinho comenta esse versículo afirmando que o incenso simboliza a pureza da oração do justo, que sobe da terra e perfuma os céus com seu amor.
Na Instrução Geral do Missal Romano, lemos que “o uso do incenso pode ser feito para expressar reverência e oração, conforme a tradição” (n. 276). É por isso que o incenso é utilizado especialmente em momentos de destaque da liturgia: na incensação do altar, do Evangelho, das oferendas, do sacerdote e do povo fiel — ou seja, tudo o que participa do culto sagrado é envolto nessa nuvem aromática que aponta para o Céu.
O incenso também carrega um profundo simbolismo sacrifical. No Antigo Testamento, ele era parte integrante do culto levítico, sendo oferecido como sacrifício de aroma agradável ao Senhor. O livro do Êxodo detalha como Deus ordenou a Moisés a confecção de um altar de ouro puro para o incenso (cf. Ex 30, 1-10) e estipulou uma mistura sagrada que não podia ser usada para qualquer outro fim: “Este incenso será para vós uma coisa sagrada, reservada ao Senhor” (Ex 30, 37).
Os Padres da Igreja, especialmente Santo Irineu e São João Crisóstomo, viram nesse incenso sacrificial uma prefiguração do sacrifício perfeito de Cristo na Cruz e, por extensão, da renovação incruenta desse mesmo sacrifício na Santa Missa. Quando o turíbulo exala fumaça no ofertório, não se trata apenas de uma homenagem ritual, mas de um gesto que expressa a oblação da Igreja, unida ao sacrifício de Cristo, subindo ao Pai.
Como ensina o Papa Bento XVI na exortação Sacramentum Caritatis: “Na Eucaristia, Jesus oferece não algo, mas a Si mesmo. E assim também a Igreja, unida ao seu Senhor, é chamada a tornar-se sacrifício agradável a Deus” (n. 70). O incenso torna esse sacrifício visível aos nossos sentidos: um povo que oferece seu louvor, sua adoração, sua vida, em união com o único sacrifício redentor.
Um terceiro aspecto do simbolismo do incenso está relacionado à manifestação da glória de Deus. No Antigo Testamento, a nuvem era sinal da presença divina. Quando Moisés entrava na Tenda da Reunião, “a nuvem cobria a Tenda e a glória do Senhor enchia o santuário” (Ex 40, 34). O mesmo ocorre no Templo de Salomão: “o sacerdote não pôde continuar o serviço por causa da nuvem, pois a glória do Senhor enchia o templo” (1Rs 8, 11). Essa nuvem simbolizava o “mistério tremendo” da presença divina, que se manifesta mas permanece velado.
A tradição litúrgica da Igreja, herdeira dessa visão, incorporou o uso do incenso precisamente como sinal dessa glória de Deus. Quando o turíbulo solta sua fumaça diante do Santíssimo Sacramento, é como se disséssemos: “Este lugar é santo. Aqui está o Senhor!” O incenso, portanto, não apenas honra, mas proclama a presença real de Cristo — quer seja na Eucaristia, quer seja no altar ou no Evangelho.
Na Constituição Sacrosanctum Concilium, o Concílio Vaticano II reafirma que “na liturgia terrena participamos, desde agora, da liturgia celeste” (SC, 8). E o que vemos no Apocalipse? São João descreve os anjos com turíbulos de ouro, oferecendo incenso diante do trono de Deus (cf. Ap 8, 3-4). O culto da Igreja na terra, portanto, não é senão um eco e uma antecipação do culto eterno nos Céus.
Num tempo em que a sensorialidade foi domesticada pela banalidade e muitos ritos foram simplificados em nome da praticidade, o uso do incenso litúrgico se tornou, em muitos lugares, algo raro ou opcional. Contudo, a Tradição da Igreja não trata o incenso como enfeite ou detalhe decorativo. Ele é um gesto teologicamente carregado, que une os sentidos ao espírito e desperta na alma uma atitude de reverência e adoração.
Não é por acaso que o uso do incenso está tão presente na liturgia tradicional, especialmente na Missa Tridentina, onde cada movimento é impregnado de sacralidade. Ali, a fumaça perfumada não é mera tradição estética: é oração visível, sacrifício palpável e anúncio sensorial do Mistério. A perda dessa linguagem simbólica empobrece não só a liturgia, mas também a própria experiência de Deus, que se revela ao homem por sinais.
Como recorda o Catecismo: “A liturgia é feita de sinais e de símbolos, cujo sentido profundo está enraizado na criação e na cultura humana, esclarecido pelos acontecimentos da Antiga Aliança e plenamente revelado na Pessoa e na obra de Cristo” (CIC, 1146). O incenso é um desses sinais. E abandoná-lo, ou usá-lo de forma banal, é como apagar uma linguagem que a Igreja sempre usou para falar com Deus e sobre Deus.
Enfim, o incenso na liturgia não é um luxo — é uma linguagem. Ele diz o que palavras não dizem: que estamos diante do Mistério, que nossa oração sobe até Deus, que o Céu toca a terra. É perfume de sacrifício, perfume de oração, perfume de Deus. Por isso, sua presença deve sempre nos lembrar que o culto não é sobre nós, mas sobre Ele. E que a Missa, longe de ser um encontro horizontal e funcional, é o lugar por excelência em que o homem, como fumaça leve, se eleva com humildade até os braços do seu Criador.
Afinal, como nos ensina o Apocalipse, os anjos oferecem incenso junto com as orações dos santos. Isso não é poesia. É profecia litúrgica.
“E da mão do anjo subiu diante de Deus a fumaça dos perfumes, com as orações dos santos” (Ap 8, 4).