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Crédito: Reprodução da Internet
Vivemos cercados por ruído. Fones de ouvido, notificações, playlists, vídeos curtos. O silêncio virou incômodo — um espaço que muitos tentam preencher com qualquer som. Esse barulho constante não nos torna apenas distraídos: nos torna espiritualmente surdos
Quando esse hábito entra na Igreja, temos um problema. Católicos que não suportam cinco minutos de silêncio durante a Missa logo reclamam: “ficou estranho”, “parece que o padre se perdeu”, “é desconfortável”. O silêncio é confundido com falha, ausência, desorganização. Mas na verdade, ele é espaço de contemplação, escuta e adoração profunda
O silêncio na Missa não é um intervalo vazio entre uma oração e outra. Ele é litúrgico. O número 45 da Instrução Geral do Missal Romano ensina claramente:
“Os momentos de silêncio no decorrer da celebração […] ajudam na disposição interior dos fiéis e favorecem a escuta da Palavra de Deus, a meditação e a oração interior.”
Ou seja, o silêncio é estruturante. Não é improviso. O Concílio Vaticano II, na Sacrosanctum Concilium (n. 30), também o defende como parte orgânica da celebração, especialmente:
– No ato penitencial
– Após cada leitura e homilia
– Após a comunhão
Mas isso não começou com o Vaticano II. Nas liturgias orientais e, de modo ainda mais evidente, na Missa Tridentina, o silêncio sempre ocupou lugar central. O Cânon Romano é recitado em voz baixa pelo sacerdote justamente para reforçar esse clima de mistério sagrado
A Missa é o Calvário tornado presente. E no Calvário, não houve barulho de microfone, nem comentário litúrgico, nem palmas. Houve dor, sacrifício, sangue — e silêncio. Nossa Senhora ficou de pé em silêncio. São João permaneceu em silêncio. O Cordeiro foi imolado em silêncio. “Como ovelha muda diante dos tosquiadores, ele não abriu a boca” (Is 53,7)
A Missa que não comporta silêncio trai o seu próprio centro: o mistério pascal. A agitação litúrgica, o excesso de músicas contínuas, as intervenções improvisadas quebram essa atmosfera. O fiel que não aprende a silenciar na Missa, também não aprenderá a silenciar diante da Eucaristia, do sacrário, ou no exame de consciência. Fica vazio — e barulhento
Muito do desconforto moderno com o silêncio vem da secularização da mente católica. Muitos veem a Missa como assembleia, momento comunitário, encontro fraterno. Tudo isso é verdade em certo sentido, mas sem o sacrifício de Cristo, vira teatro
Quando o critério litúrgico se torna “não deixar ninguém entediado”, o silêncio desaparece. Padres com medo do silêncio preenchem tudo com explicações. Ministros com medo do vazio enchem de canto. Fiéis com medo de si mesmos saem da Missa como entraram: sem ter encontrado a Deus
É preciso recuperar o senso do sagrado, e o silêncio é o portal de entrada. Ele diz: aqui não se fala porque aqui Deus age. Aqui não se grita porque aqui se morre — e se ressuscita com Cristo
A alma contemplativa não nasce do barulho, mas da escuta. O profeta Elias não encontrou Deus no vento impetuoso, nem no terremoto, nem no fogo, mas no murmúrio de uma brisa suave (cf. 1Rs 19,11-13). Deus fala no silêncio, e só o coração purificado o reconhece
A liturgia bem celebrada, com espaços generosos de silêncio, educa a alma para a contemplação. Ensina que não é preciso preencher tudo com palavras. Ensina que a adoração verdadeira não precisa de explicações. Ensina que Deus é Deus — e nós, criaturas em adoração
É assim que os santos se formam: diante do altar, ajoelhados, em silêncio. É assim que a alma se alinha com o céu
O que está em jogo aqui não é estilo litúrgico, mas teologia da adoração. Se a Missa é o Santo Sacrifício, então exige reverência. Se é o lugar da Presença real, exige temor. E se é o céu tocando a terra, exige silêncio
Por isso Bento XVI dizia: “É necessário manter espaços de silêncio na liturgia, especialmente durante a oração eucarística. O silêncio permite uma participação mais intensa.” (Sacramentum Caritatis, n. 52)
Quando a Missa se torna um evento falado do início ao fim, ela nos distrai de sua própria finalidade. Quando há silêncio, o Espírito Santo encontra brechas para tocar, curar, converter, iluminar
O silêncio não é ausência. É presença concentrada. Não é vazio. É plenitude interior. Não é exclusão. É convite à intimidade
Uma liturgia sem silêncio se torna, muitas vezes, um desfile de emoções. Choro, euforia, gritos, palmas — tudo pode parecer piedade, mas frequentemente é apenas agitação. O sentimentalismo litúrgico busca emoção imediata, mas não gera fidelidade a longo prazo
Já o silêncio prepara a alma para a adoração firme, mesmo sem “sentir nada”. Ensina a rezar quando Deus parece calado. Ensina que a fé não depende do que sentimos, mas de Quem está ali
Por isso, o silêncio não é acessório. É doutrina vivida. É espiritualidade encarnada. É tradição preservada. E é também um remédio: contra a pressa, contra a superficialidade, contra o mundanismo que tenta invadir até o altar
No final, tudo se resume a isso: o silêncio não é algo que a Missa “deve suportar” — é algo que a Missa exige. E o fiel maduro na fé aprende a amá-lo. No silêncio, escutamos o Verbo. No silêncio, adoramos o Cordeiro. No silêncio, esperamos a eternidade
A Missa não é show, nem palestra, nem conversa. É sacrifício. E o silêncio é seu idioma mais sagrado
Quem ama a Missa, aprende a amar o silêncio. Quem teme o silêncio, talvez ainda não tenha compreendido diante de Quem está.