USD | R$5,3988 |
|---|
Crédito: Reprodução da Internet
Quando um católico ouve falar de “Tempo Comum” — ou “Tempo Ordinário”, como está nos documentos oficiais — é fácil cair na armadilha do significado popular da palavra “ordinário”, como algo banal, rotineiro ou sem importância. Grave engano. Na liturgia católica, nada é banal. E o Tempo Comum, longe de ser um “período morto” entre festas importantes, é uma poderosa escola de espiritualidade que nos convida a crescer na santidade no ritmo do dia a dia.
Segundo a Constituição Sacrosanctum Concilium (Concílio Vaticano II, n. 102-104), a Igreja organiza o ano litúrgico para que, em ciclos, “celebre todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação e Nascimento até a Ascensão, Pentecostes e a expectativa da vinda do Senhor”. Dentro desse esquema, o Tempo Comum compreende as semanas que não pertencem aos ciclos do Advento, Natal, Quaresma ou Páscoa.
O Missal Romano explica que o Tempo Comum “é o período em que, sem um aspecto peculiar, se celebra o Mistério de Cristo em sua plenitude, sobretudo aos domingos”. O Calendário Geral Romano define duas seções desse período:
O Tempo Comum tem, ao todo, 33 ou 34 semanas, dependendo do ano.
A palavra latina “ordinarius” não quer dizer “comum” no sentido de trivial. Significa “em ordem”, “sequencial”, “ordenado”. No Tempo Comum, a Igreja caminha pelos Evangelhos de forma contínua, quase capítulo por capítulo, apresentando a vida pública de Cristo, Seus milagres, ensinamentos e encontros transformadores. É, portanto, um tempo ordenado para o crescimento espiritual.
São Josemaría Escrivá dizia:
“Não há nada de ordinário na vida ordinária.”
No Tempo Comum, a liturgia nos faz perceber Cristo presente em cada gesto diário. A espiritualidade deste período consiste em santificar o cotidiano — trabalho, família, estudos, amizade, deveres simples — oferecendo tudo a Deus.
Os Padres da Igreja insistiam na importância de viver a fé nas pequenas coisas. Santo Agostinho lembra:
“Grande coisa é amar a Deus, mesmo nas pequenas coisas.” (Sermão 339,4)
Enquanto os grandes ciclos (Natal, Páscoa) são tempos de festa ou penitência intensa, o Tempo Comum nos desafia à perseverança silenciosa. É o tempo do “crescer”, como ensina São Paulo:
“Até que cheguemos todos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo.” (Ef 4,13)
Nada mais atual para nós, muitas vezes desejosos de emoções fortes, mas impacientes com o ritmo lento da santificação diária.
O Leccionário dominical do Tempo Comum segue o chamado “Curso Semicontínuo” dos Evangelhos Sinópticos. Em três anos (A, B, C), lê-se quase tudo de Mateus, Marcos e Lucas. Durante a semana, são lidos trechos contínuos de outros livros bíblicos.
É um convite à formação sólida, pois permite um conhecimento profundo do Evangelho em sua totalidade. Bento XVI, na Exortação Apostólica Verbum Domini, sublinha:
“É essencial que se valorize o Tempo Comum como tempo para escutar a Palavra de Deus e aprofundar a vida cristã.” (n. 52)
No Tempo Comum, os paramentos litúrgicos são verdes. O verde simboliza esperança e vida. Não é à toa que a Igreja escolheu essa cor: o Tempo Comum é a estação do crescimento espiritual, assim como a planta brota e amadurece lentamente.
Mesmo no Tempo Comum, há datas especiais que se sobrepõem ao “verde” habitual:
São “iluminações” no caminho ordinário, lembrando-nos que a santidade tem muitos rostos e que Cristo age continuamente em Sua Igreja.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC 1168-1171) ensina que o Ano Litúrgico é uma atualização do Mistério Pascal, não apenas datas para lembrar fatos passados. Isso inclui o Tempo Comum. Não é um tempo “vazio” entre duas festas, mas a continuação do Mistério de Cristo na vida da Igreja.
São João Paulo II, na Dies Domini (1998), sobre o Domingo, escreveu:
“O domingo é o dia em que a Igreja faz memória da vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte.” (n. 1)
Todo Domingo no Tempo Comum é, pois, Páscoa semanal. Celebramos o Ressuscitado presente entre nós.
Para “não passar batido” pelo Tempo Comum, algumas atitudes espirituais são valiosas:
Poderíamos dizer que o Tempo Comum é o tempo do povo de Deus em marcha. Enquanto Advento e Quaresma são tempos fortes de preparação, e Natal e Páscoa são tempos fortes de celebração, o Tempo Comum é o tempo da vida cristã concreta, onde a santidade se constrói pedra sobre pedra.
Na vida real, não estamos sempre no Natal ou na Páscoa — vivemos sobretudo no “entre”. E é justamente nesse “entre” que se revela se amamos a Deus de verdade.
Como disse São João XXIII:
“A santidade não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias.”
Em suma, o Tempo Comum é o tempo da graça escondida, onde Cristo se faz presente nos passos diários. Nada tem de “ordinário” no sentido banal. Pelo contrário, é o espaço privilegiado para nos tornarmos santos onde estamos, com quem estamos e como estamos — sem luzes de Natal ou sinos pascais, mas com o vigor silencioso da esperança cristã.