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Crédito: Reprodução da Internet
Quando se contempla um ícone bizantino, uma das primeiras coisas que salta aos olhos é a auréola que circunda a cabeça de Cristo, da Virgem Maria, dos anjos e dos santos. Esse elemento, longe de ser um mero adorno artístico, carrega um significado profundamente teológico, litúrgico e espiritual. Trata-se de uma expressão visível daquilo que é invisível aos olhos humanos: a participação da criatura na luz incriada de Deus, fruto da graça santificante.
Antes de adentrar o significado propriamente cristão da auréola, é necessário reconhecer sua origem histórica. Civilizações antigas como a egípcia, a grega e a romana já representavam figuras divinas ou imperiais com um círculo de luz ao redor da cabeça, como um sinal de poder ou de natureza superior. Contudo, com o advento do Cristianismo, esse símbolo foi assumido e transfigurado. A Igreja, fiel ao princípio da “recapitulatio” de Cristo (Ef 1,10), redimiu aquilo que nas culturas pagãs era sombra ou figura imperfeita.
Santo João Damasceno, ao defender o uso das imagens sagradas no século VIII durante a controvérsia iconoclasta, reafirmou que os ícones cristãos não são meras representações humanas, mas meios de contemplação da realidade celeste e canais de graça. A auréola, então, tornou-se um sinal visível da graça invisível.
Segundo os Padres da Igreja, especialmente São Gregório Palamas, a luz que envolveu o Cristo transfigurado é a mesma luz da graça divina, não criada, eterna, e que envolve os santos no Céu.
A Igreja ensina que a graça santificante é uma participação real na vida divina (Catecismo da Igreja Católica, n. 1997). Os santos, ao alcançarem a glória celeste, são irradiados pela própria luz de Deus, como ensina o Concílio Vaticano II:
“Deus, cuja santidade todos devem partilhar, é venerado nos seus santos, e neles encontra o seu louvor” (Lumen Gentium, n. 50).
Por isso, a auréola simboliza a presença da graça, a comunhão com Deus e a participação na Sua glória.
No âmbito dos ícones, cada detalhe tem significado, e a auréola é um dos mais eloquentes. No caso de Nosso Senhor Jesus Cristo, a auréola possui uma peculiaridade: nela sempre está inscrita a cruz (chamada de “aureola crucífera”), acompanhada pelas letras gregas Ὁ ὬΝ (“O Que É”), uma referência direta ao nome divino revelado a Moisés na sarça ardente (cf. Ex 3,14) e que afirma a divindade de Cristo.
Já na auréola da Virgem Maria, a pureza e a maternidade divina são destacadas. Nos santos, a auréola exprime a vitória sobre o pecado e a plena união com Deus.
A escolha do ouro como cor predominante para a auréola também não é casual. O ouro nos ícones não representa simplesmente riqueza material, mas a eternidade e a luz divina, que não se altera nem se corrompe.
A presença da auréola nos ícones se insere na tradição mais ampla do culto às imagens sagradas, solenemente definido no Segundo Concílio de Niceia (787):
“As veneráveis e santas imagens, tanto de pintura como de mosaico, como de qualquer outro material apropriado, devem ser expostas nas santas igrejas de Deus… tanto de Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo, como da imaculada Senhora nossa, a Santa Mãe de Deus, dos veneráveis Anjos e de todos os santos e justos homens.” (Denzinger-Hünermann, DH 600)
Este Concílio reafirma o valor teológico das imagens como instrumentos de veneração e expressão da fé. A auréola, nesse contexto, é um recurso visual que permite ao fiel reconhecer imediatamente o estado de glória ou santidade da figura representada.
A auréola, presente nos ícones venerados na tradição bizantina e também ocidental, tem uma função eminentemente litúrgica. O ícone não é apenas um objeto de arte: é um meio de oração, contemplação e comunicação com o mistério divino.
O Catecismo da Igreja Católica afirma com clareza:
“A beleza da imagem sacra leva à contemplação dos mistérios de Cristo e conduz ao desejo de contemplação e oração.” (CIC, n. 2502)
Ao olhar para a auréola de um santo, o fiel não apenas recorda sua história terrena, mas reconhece sua participação na glória do Ressuscitado.
A auréola também educa os sentidos do povo cristão. Ela indica que a santidade não é apenas uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, visível, palpável. Quando um fiel se ajoelha diante de um ícone com auréolas douradas, ele está, de modo místico, colocando-se na presença da Igreja triunfante, aquela que já venceu o pecado e a morte.
A arte sacra, incluindo o uso da auréola, se torna então um convite constante à conversão, à luta pela santidade e à esperança na vida eterna.
A auréola nos ícones bizantinos não é um mero detalhe estético. Ela é, antes de tudo, uma linguagem visual da graça, um eco artístico da realidade sobrenatural da santidade. Inspirada na própria Transfiguração de Cristo e na teologia da luz divina, sua presença nas imagens sagradas expressa a certeza de que, unidos a Cristo, também nós somos chamados à glória eterna.
Como bem sintetiza o Catecismo da Igreja Católica:
“Os santos são luzes acesas por Deus para iluminar os séculos e a vida dos homens.” (cf. CIC, n. 956)
E cada auréola nos recorda: a graça é real, a glória é possível, e a santidade é o único destino digno de um filho de Deus.