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Crédito: Reprodução da Internet
Na história da Igreja, poucos padres encarnaram tão perfeitamente a figura do bom pastor como São João Maria Vianney, o Cura d’Ars. Ordenado em 1815 e enviado à pequena vila de Ars, na França, em 1818, este humilde sacerdote transformou não apenas sua paróquia, mas toda a França e, de certo modo, o mundo. Um dos aspectos mais impressionantes de seu ministério foi sua dedicação heroica ao confessionário, onde chegou a passar até 16 horas por dia, oferecendo a misericórdia de Deus às almas. Essa entrega radical à missão sacerdotal não era fruto de uma estratégia pastoral, mas de uma profunda união com Deus e de um amor abrasador pela salvação das almas.
Desde os Padres da Igreja até o Concílio de Trento e o Concílio Vaticano II, a Igreja sempre entendeu o sacerdote como médico das almas, dispensador dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da Penitência. São João Maria Vianney compreendeu com radicalidade essa verdade. Ele dizia:
“O bom Deus sabe tudo. Antes mesmo que você entre no confessionário, Ele já conhece seus pecados. Mas Ele os perdoa no exato momento em que você os confessa com o coração arrependido.”
Essa frase resume a visão de Vianney sobre o Sacramento da Penitência: não um tribunal humano, mas um tribunal da misericórdia de Deus, onde o juiz é também Pai e Médico. A sua missão era clara: reconciliar as almas com Deus, libertá-las do jugo do pecado, curá-las com a graça.
O Cura d’Ars acordava antes das 4h da manhã, celebrava a Missa com extraordinária devoção e, após breve ação de graças, dirigia-se ao confessionário. Ali permanecia por longas horas, muitas vezes sem pausa, exceto para a recitação do breviário ou para ouvir casos mais delicados em particular. Nos anos de maior afluência de fiéis, ele podia passar entre 14 e 16 horas por dia ouvindo confissões, sobretudo nos meses de verão, quando chegavam peregrinos de toda a França.
Documentos da época, testemunhos de fiéis e relatos canônicos registrados no processo de beatificação atestam que, muitas vezes, milhares de penitentes chegavam à pequena Ars. Em 1855, por exemplo, calcula-se que mais de 80 mil pessoas tenham passado pela vila. A fila para a confissão começava ainda na madrugada, e muitas vezes era necessário esperar dias para ser atendido pelo santo sacerdote.
Dom Trochu, seu biógrafo oficial, relata:
“Vianney permanecia no confessionário horas a fio, mesmo com o corpo alquebrado, os pés inchados e os olhos cheios de lágrimas por ver tantos corações longe de Deus.”
Mas o mais impressionante não era apenas a quantidade de tempo, e sim a eficácia sobrenatural de seu ministério. Inúmeros relatos falam de pessoas que se confessavam com ele sem terem dito uma palavra — ele lhes revelava seus pecados com clareza e caridade. São Pio X, ao canonizá-lo, chamou essa capacidade de “luz do Espírito Santo” concedida àqueles que se entregam totalmente a Deus.
São João Paulo II, por sua vez, afirmou que o Cura d’Ars foi um mártir do confessionário:
“Mártir do confessionário porque gastou suas forças, seu corpo, sua mente, seu coração, a ponto de consumir-se inteiramente por esse serviço que reconcilia o homem com Deus.”
A autoridade moral de Vianney era tamanha que muitos penitentes, depois de se confessarem com ele, abandonavam uma vida inteira de pecado. Há relatos de pecadores endurecidos que, tocados pela sua santidade, quebraram em lágrimas antes mesmo de se ajoelharem.
A doutrina católica, conforme o Concílio de Trento, ensina que a confissão dos pecados mortais é necessária para a salvação de quem caiu após o batismo (cf. DS 1707). O Catecismo da Igreja Católica (n. 1424) define esse sacramento como o sacramento da conversão, da confissão, do perdão e da reconciliação. A missão do sacerdote nesse contexto é ser instrumento da misericórdia de Cristo, que disse aos Apóstolos:
“Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados” (Jo 20,22-23).
São João Maria Vianney é o exemplo mais eloquente da eficácia transformadora desse Sacramento, quando celebrado com devoção e zelo pastoral.
O que poucos lembram é que o próprio Vianney vivia uma vida de penitência severa. Dormia poucas horas, alimentava-se com extrema frugalidade — muitas vezes apenas com uma batata cozida por dia — e usava instrumentos de mortificação. Ele oferecia seus sofrimentos pelos pecadores, para que a graça tocasse os corações mais endurecidos.
Essa prática está em perfeita conformidade com a tradição da Igreja. Santo Afonso de Ligório e outros grandes doutores afirmavam que o sacerdote deve ser o primeiro a se santificar para santificar os outros. João Maria Vianney levava isso ao extremo: ele se fazia vítima voluntária pelos pecadores que atendia.
O Papa Pio XI o canonizou em 1925 e o proclamou Padroeiro de todos os párocos do mundo em 1929. Pio XII mais tarde o chamou de modelo de zelo pastoral. Bento XVI dedicou a ele o Ano Sacerdotal (2009-2010), afirmando que
“O seu exemplo mostra-nos que a fidelidade e o ardor no ministério da reconciliação podem mudar o rumo de uma paróquia inteira — ou de uma nação.”
O mesmo Pontífice disse:
“A sua vida é uma catequese viva sobre o que significa ser pastor segundo o coração de Cristo.”
Para São João Maria Vianney, o confessionário não era um hábito nem um dever funcional. Era o campo de batalha onde almas eram resgatadas do inferno. Ele mesmo afirmava:
“O pecador que se ajoelha no confessionário é um filho pródigo voltando à casa do Pai. E o sacerdote, como o pai da parábola, deve correr ao seu encontro, com misericórdia, mas também com verdade.”
Esse equilíbrio entre misericórdia e verdade era marca do seu ministério. Jamais diminuía a gravidade do pecado, mas jamais negava o perdão a quem verdadeiramente se arrependia.
Num tempo em que o Sacramento da Penitência é tão negligenciado — e muitas vezes substituído por vãs “terapias espirituais” — o testemunho do Cura d’Ars se impõe como um clamor profético. O mundo precisa de padres que, como ele, estejam dispostos a se consumir pelo altar e pelo confessionário. E os fiéis precisam redescobrir a beleza de se confessar com frequência, pois é nesse sacramento que Cristo mesmo nos acolhe, nos escuta, nos perdoa e nos transforma.
São João Maria Vianney não era um teólogo refinado, nem um administrador de excelência. Mas era, acima de tudo, um homem de Deus, um padre que entendeu a cruz e a graça, e que fez da sua vida um instrumento da misericórdia divina. Que o seu exemplo leve os sacerdotes de hoje a redescobrirem o poder do confessionário — e os fiéis, a nele mergulharem com fé e humildade.