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Crédito: Reprodução da Internet (Via: https://bee.pe/)
Na tradição multissecular da Igreja Católica Apostólica Romana, nenhum elemento litúrgico é gratuito ou meramente decorativo. Tudo tem uma razão espiritual, teológica e simbólica profundamente enraizada na Revelação e no Magistério. Entre esses elementos, as velas de cera de abelha ocupam um lugar de destaque. Seu uso não é fruto de gosto estético ou de simples tradição humana, mas carrega um significado que atravessa séculos de fé, simbolismo sacramental e rigor doutrinário.
Desde o Antigo Testamento, a luz é sinal visível da presença de Deus. No livro do Êxodo, Deus ordena que se mantenha continuamente acesa uma lâmpada de óleo puro diante da Arca da Aliança:
“Ordena aos filhos de Israel que te tragam azeite de oliveira puro, batido, para o candeeiro, para que haja lâmpada acesa continuamente” (Êxodo 27,20).
No Novo Testamento, Cristo próprio é identificado como a Luz do mundo:
“Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (João 8,12).
A luz, portanto, na Liturgia Católica, não é uma representação abstrata: ela é um eco visível da própria ação de Cristo. As velas, especialmente as de cera de abelha, se tornam portadoras sacramentais dessa luz.
A Igreja não escolheu a cera de abelha por mero capricho. O uso específico dessa matéria-prima carrega uma teologia própria, que foi sendo aprofundada ao longo da Tradição. Três razões principais são tradicionalmente atribuídas a essa escolha:
A cera de abelha é o único material natural produzido sem qualquer impureza sexual. As abelhas são consideradas virgens na tradição simbólica cristã. Isso as vincula diretamente à virgindade de Maria Santíssima, fazendo da vela um símbolo mariano.
Assim como as abelhas trabalham incessantemente para produzir a cera, oferecendo sua própria vida ao serviço da colmeia, a vela se consome por completo ao gerar luz. Este aspecto de oblatividade faz da vela uma figura do sacrifício de Cristo e, por extensão, de cada fiel chamado a consumir-se por amor.
A chama, que resulta da queima da cera, representa Cristo Ressuscitado, a verdadeira Luz que ilumina as trevas do mundo.
Essa tríplice simbologia é oficialmente reafirmada no Pregão Pascal, durante a Vigília da Páscoa, quando o diácono ou o sacerdote canta sobre o Círio Pascal:
“Na fusão das velas de cera que as laboriosas abelhas prepararam para este rito sacrossanto”.
O exemplo mais solene e teologicamente carregado do uso de cera de abelha é o Círio Pascal. Desde os primeiros séculos, a Igreja utiliza o Círio como símbolo de Cristo Ressuscitado. A sua confecção com cera pura de abelha é obrigatória segundo as normas litúrgicas, expressas no Missal Romano e reforçadas em instruções da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
O Missal Romano (2002), no rito da bênção do Círio, sublinha explicitamente a cera de abelha:
“E agora sabemos o que significa este círio que acendemos em honra do Senhor: a sua chama divide-se sem se apagar, alimentada pela cera que as abelhas fizeram para este sacrifício de louvor”.
Aqui, a Igreja retoma a simbologia do trabalho virginal das abelhas e sua ligação com a luz do Cristo.
A exigência do uso da cera de abelha não é uma simples preferência estética. O Cerimonial dos Bispos (Caeremoniale Episcoporum) e as Instruções Gerais do Missal Romano determinam o uso de velas genuínas para a liturgia, especialmente nas celebrações mais solenes como Missas Pontificais, Exposição e Bênção do Santíssimo Sacramento e nas procissões.
O antigo Rituale Romanum, ainda utilizado por comunidades que seguem o Usus Antiquior (Missa Tridentina), reforça a obrigatoriedade das velas de cera pura. A tradição, desde a Idade Média, exige que as velas litúrgicas sejam feitas com pelo menos 51% de cera de abelha. Este número, apesar de não constar em documentos dogmáticos, foi consolidado por séculos de prática e confirmado por autoridades litúrgicas.
Em situações extraordinárias de escassez ou pobreza, a Santa Sé, por meio de indultos especiais, permitiu o uso de outras substâncias, mas sempre de forma provisória e com a orientação explícita de retornar ao uso da cera de abelha assim que possível.
Santo Agostinho, em seus sermões, fazia referência à luz da vela como representação das boas obras do cristão iluminado pela graça. A chama, que sobe ao céu, é sinal de oração que se eleva até Deus. Assim também ensina São Tomás de Aquino, na Suma Teológica (III, q. 83, a. 5), ao falar do uso da luz nas cerimônias litúrgicas como expressão visível da nossa fé e devoção.
Além disso, a vela representa a vigilância espiritual. É por isso que durante a adoração ao Santíssimo Sacramento, durante a Exposição eucarística, as velas permanecem acesas, indicando a presença real de Cristo.
O simbolismo das velas de cera de abelha não se limita à vida terrena. Durante as exéquias, as velas acompanham o corpo do falecido como sinal de esperança na Ressurreição. A Igreja canta:
“Lux perpetua luceat eis” – “Que a luz perpétua brilhe para eles”.
Mais uma vez, a cera que se consome se torna imagem da vida do cristão: gasta-se aqui, na terra, para receber a luz eterna na presença de Deus.
Num tempo em que a banalização litúrgica, a substituição de símbolos por elementos artificiais e a perda de sentido sacramental têm sido constantes, a preservação do uso das velas de cera de abelha não é um capricho tradicionalista, mas uma exigência da própria Teologia Litúrgica da Igreja.
Ela nos recorda a pureza da Virgem Maria, o sacrifício de Cristo, a presença da Luz Divina e a nossa vocação de sermos também luz para o mundo. Abandonar ou substituir esse símbolo é, de certo modo, romper com uma pedagogia milenar que a Igreja, com sabedoria maternal, nos oferece.