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Crédito: Reprodução da Internet
Quando a Igreja fala de si mesma como “Corpo Místico de Cristo” e “Esposa do Cordeiro”, não está usando poesia devocional, mas descrevendo uma realidade espiritual e concreta que estrutura a fé cristã desde as origens. A Igreja não é uma ideia, nem uma associação de fiéis que compartilham valores comuns. É um organismo vivo, fundado e sustentado por Cristo, que prolonga Sua presença no mundo por meio do Espírito Santo.
São Paulo já revelava esse mistério ao escrever: “Vós sois o corpo de Cristo, e cada um por sua parte é um dos seus membros” (1Cor 12,27). Essa afirmação contém uma revolução silenciosa: Cristo não é apenas o fundador da Igreja — Ele é a sua Cabeça viva, unindo os fiéis a si em comunhão real, não meramente simbólica.
O termo “místico” não significa “abstrato”, mas “divinamente unido”. O Papa Pio XII, na encíclica Mystici Corporis Christi (1943), explicou que essa expressão designa a união verdadeira e vital entre Cristo e os batizados: “O Redentor quis que o seu Corpo Místico fosse a Igreja, na qual os homens se unissem a Ele pela fé e pelos sacramentos”.
Isso quer dizer que a Igreja vive da vida de Cristo. Quando um fiel comunga, é alimentado pelo próprio Corpo do Senhor; quando é batizado, é enxertado no Corpo; quando peca, fere o Corpo inteiro. Essa é a grandeza — e a responsabilidade — de pertencer à Igreja: cada membro carrega consigo a dignidade e o peso do todo.
A unidade da Igreja, portanto, não é um acordo institucional, mas um vínculo ontológico: a mesma vida divina corre em todos os seus membros. Cristo é a Cabeça, o Espírito Santo é a alma que anima, e nós, os membros chamados a viver em caridade e fidelidade.
A imagem da Esposa do Cordeiro vem da Sagrada Escritura e revela o aspecto mais terno e exigente da identidade da Igreja. Em Efésios 5, São Paulo escreve: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la”. Aqui se encontra o coração da teologia esponsal: a Igreja existe como resposta de amor à entrega redentora do Esposo.
Na cruz, Cristo selou uma aliança definitiva — não apenas jurídica, mas nupcial. O sangue do Cordeiro é o dote da Esposa. Por isso a Igreja é santa em sua origem, mesmo que pecadora em seus filhos. Ela carrega dentro de si a santidade do Esposo que a purifica constantemente.
O livro do Apocalipse consuma essa imagem ao apresentar “as núpcias do Cordeiro” (Ap 19,7), quando a Igreja gloriosa será plenamente unida a Cristo. O que hoje vivemos na fé e nos sacramentos é um desposório ainda em caminho, uma promessa que se cumpre progressivamente até o fim dos tempos.
A doutrina católica insiste que a Igreja é ao mesmo tempo visível e espiritual. O Concílio Vaticano II, em Lumen gentium, afirma: “A Igreja é, em Cristo, como que o sacramento, isto é, o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano.”
Esse equilíbrio é fundamental. A Igreja visível — com sua hierarquia, liturgia, sacramentos e normas — é o instrumento concreto pelo qual age a Igreja invisível, animada pelo Espírito Santo. Romper essa unidade, reduzindo a Igreja a uma instituição humana ou a um ideal puramente interior, é distorcer o mistério. A Igreja não é apenas a comunidade dos fiéis: é o próprio Cristo prolongado na história.
Como Cabeça, Cristo guia, governa e vivifica o Corpo. Os membros, unidos a Ele, recebem diferentes dons e funções. O Papa e os bispos exercem a autoridade como serviço, não como domínio; os leigos colaboram com a missão de santificar o mundo a partir de dentro; os consagrados testemunham a total entrega da Esposa ao Esposo.
Essa diversidade harmoniosa é reflexo do próprio Deus, que é comunhão. Ninguém é supérfluo no Corpo de Cristo. Cada batizado tem uma missão, e o descuido de um membro afeta todos. Por isso, viver na Igreja é viver em corresponsabilidade: fé, oração, penitência e caridade são deveres que sustentam o todo.
Se quisermos ver onde o Corpo Místico se manifesta com mais força, olhemos para o altar. Na Eucaristia, Cristo se entrega à Igreja para torná-la realmente o que ela é. O corpo físico de Cristo, presente na hóstia consagrada, une-se ao corpo espiritual da Igreja, edificando a comunhão.
Santo Agostinho dizia aos neófitos: “Sede o que vedes e recebei o que sois: o Corpo de Cristo.” Nessa frase resume-se a teologia da Igreja: comungar é participar do próprio mistério que nos forma. A Esposa é alimentada pelo Esposo para ser transformada n’Ele.
Embora santa pela graça de Cristo, a Igreja ainda caminha entre as sombras do mundo. É Esposa fiel, mas ainda em purificação, como recorda Lumen gentium 8: “A Igreja, embora santa, abraça em seu seio pecadores, sendo, ao mesmo tempo, santa e sempre necessitada de purificação.”
Esse realismo é profundamente católico: não idealiza a Igreja, mas a ama como Cristo a ama — com um amor que corrige, purifica e restaura. Amar a Igreja não é fechar os olhos para suas feridas, e sim reconhecê-las à luz da misericórdia divina, sem cair na desobediência nem no desprezo.
A Igreja, Corpo e Esposa, tem uma missão esponsal e maternal: gerar novos filhos para Deus, alimentar os fiéis com os sacramentos e irradiar o amor do Esposo no mundo. Sua missão não é adaptar-se às modas, mas ser sinal da verdade perene, mesmo quando o mundo não a compreende.
O Papa Bento XVI, em Deus caritas est, afirmou: “A Igreja é a comunidade de amor; o amor de Cristo é o seu distintivo e sua medida.” Essa caridade, porém, não é sentimentalismo — é fidelidade ao Esposo, mesmo em tempos de perseguição ou de frieza espiritual.
Ser Igreja é viver no tempo com o coração voltado para a eternidade. É esperar o dia em que o Cordeiro enxugará toda lágrima e a Esposa resplandecerá em plena glória.
Dizer que a Igreja é o Corpo Místico e a Esposa do Cordeiro é confessar um mistério de comunhão que nos ultrapassa, mas nos envolve. Cada sacramento, cada oração, cada ato de fé é um gesto nupcial e comunitário. Não estamos sozinhos: estamos enxertados num organismo que respira o amor de Cristo e caminha rumo à glória.
A verdadeira compreensão da Igreja não nasce de teorias sociológicas, mas de uma vida eucarística e mariana. Maria, figura perfeita da Esposa fiel, mostra à Igreja como acolher, servir e permanecer unida ao Esposo.
Assim, o Corpo e a Esposa se completam: a Igreja vive de Cristo, e Cristo continua a agir nela. Até que chegue o dia das núpcias eternas, quando o Esposo dirá à sua Esposa purificada: “Vem, alegria minha, entra no repouso do teu Senhor.”