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Crédito: Reprodução da Internet
Desde a infância da Igreja, Maria é reconhecida não como figura periférica, mas como presença que articula e testemunha o agir divino. A partir da Anunciação, quando Deus escolhe assumir a humanidade por meio do seu sim, Maria entra na narrativa salvífica não como espectadora, mas como cooperadora livre da graça. Ela não substitui o Redentor; ela torna presente, de modo humano e concreto, a entrada de Deus na nossa carne. Essa posição explica por que a Igreja sempre a colocou em diálogo íntimo com a Cristologia e com a eclesiologia: a compreensão de quem é Cristo e de quem é a Igreja passa também por quem recebeu o Verbo no ventre e o seguiu até o Calvário.
A expressão do consentimento de Maria — o fiat — é o gesto humano por excelência que acolhe a iniciativa divina. Quando ela diz “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra”, recebe-se a Encarnação: o Verbo torna-se carne no seio de uma mulher. Esse sim livre e responsável evidencia que a economia da salvação é uma obra que envolve a iniciativa divina e a resposta humana. A livre cooperação de Maria é paradigma para a nossa própria adesão à graça.
A definição de Maria como Theotokos (Mãe de Deus) no Concílio de Éfeso (431) não é mera honra litúrgica: é garantia teológica. Ao afirmar que Maria é Mãe do Verbo encarnado, a Igreja protege a verdade de fé de que em Jesus a divindade e a humanidade estão unidas hipostaticamente desde o primeiro instante da Encarnação. Chamar Maria de mãe de Deus é confessar que Jesus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem — ponto central da fé cristã.
A vida de Maria combina contemplação e ação como poucas: ela guarda a Palavra no coração e age (cf. Lucas 1,26–56; 2,19.51). O Magnificat é catequese viva; o ir a Isabel é caridade em ato; a permanência ao pé da cruz é fidelidade até o extremo. Maria nos mostra que a verdadeira devoção conduzirá sempre ao serviço concreto dos irmãos — fé que transforma gestos, famílias, comunidades.
A tradição católica fala de Maria colaboradora na obra redentora, mas sempre em relação subordinada e dependente de Cristo. Não se trata de “co-redentora” no sentido de dividir ou igualar a obra de Jesus; trata-se de uma participação real, unida ao sacrifício único de Cristo, pela qual ela sofre, oferece e intercede. A sua participação no Calvário e a sua presença junto à Igreja primitiva ajudam-nos a entender que o sofrimento, assumido na fé, participa do mistério da redenção.
A Igreja fala da maternidade espiritual de Maria e de sua intercessão pelas almas — sempre com a advertência de que Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens. A veneração legítima de Maria tem sempre como finalidade conduzir ao Filho. Portanto, a mediação mariana não compete com a de Cristo; ela é um serviço maternal que orienta o fiel ao pleno culto devido a Deus. “Qualquer verdadeira devoção a Maria tem como finalidade aproximar-nos mais de Cristo.” Essa máxima resume a ortodoxia devocional aprovada pelo Magistério.
As definições da Imaculada Conceição (Bula Ineffabilis Deus, 1854) e da Assunção (Bula Munificentissimus Deus, 1950) expressam como o Magistério reconhece, à luz da fé, a singular cooperação de Maria no projeto salvífico. A Imaculada Conceição afirma que Maria, em vista dos méritos futuros de Cristo, foi preservada da mancha do pecado original; a Assunção proclama que, concluída sua peregrinação terrena, Maria foi elevada à glória plena do corpo e da alma. Esses dogmas não inventam a tradição; consolidam, em termo dogmático, aquilo que a liturgia, o Povo de Deus e os Padres já confessavam.
O Concílio Vaticano II tratou Maria com grande reverência, integrando-a à reflexão sobre a Igreja em Lumen Gentium (capítulo VIII), onde é apresentada como figura da Igreja peregrina: humilde, obediente e expectante. Papas recentes, especialmente São João Paulo II em Redemptoris Mater, aprofundaram a maternidade de Maria na história da salvação, indicando-a como educadora da fé e modelo para a missão. Maria é leitura e laboratório da vida eclesial: quem a contempla aprende a viver a fé como serviço e esperança.
A pastoral mariana responsável evita dois erros: o desprezo frio que frustra uma dimensão viva da piedade cristã; e o excesso que transforma a devoção em superstição. Uma pastoral autêntica incentiva a oração mariana que aprofunda a vida sacramental, promove obras de misericórdia e orienta sempre para Cristo. Devoção bem educada aumenta a comunhão e empurra a comunidade para o serviço — não para o narcisismo devocional.
A presença de Maria na história da salvação tem consequências práticas: a sua maternidade inspira uma ética do cuidado (família, educação, atenção aos pobres), e a sua firmeza diante das provas abre caminho para uma coragem pastoral que suporta o conflito e a perseguição. A imagem de Maria no discipulado é um convite a uma Igreja maternal, concreta e corajosa.
Maria importa porque nos leva ao Filho. Honrá-la é reconhecer a ação do Espírito na história; segui-la é aprender a dizer sim diante dos dilemas humanos; invocá-la é pedir a mão de quem nos aponta a Cristo. Em suma: Maria é sinal da misericórdia de Deus, modelo de fé e esperança, e mãe que nos conduz à plena comunhão com Jesus. Ao celebrar e meditar a sua vida segundo a doutrina da Igreja, reforçamos o coração do mistério cristão: Deus entra no humano e, por meio de uma humanidade obediente, restaura toda a criação.