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Crédito: GERARD MALIE / AFP/11-11-1989
Karol Józef Wojtyła nasceu em 18 de maio de 1920, em Wadowice, na Polônia. Perdeu precocemente a mãe, conviveu com a ocupação nazista, trabalhou em fábricas enquanto cursava o seminário clandestino e formou-se numa experiência humana e espiritual de resistência. Eleito Papa em 16 de outubro de 1978, tomou posse em 22 de outubro — data que a Igreja guardaria como memória litúrgica para celebrar seu magistério. Sua vida é o exemplo de uma fé encarnada: não abstrata, mas forjada em dor, em amor e em coragem. Essas raízes pessoais explicam por que a sua voz teve tanto peso nas sociedades marcadas pelo medo e pela opressão.
Em sua primeira visita pastoral à Polônia, em 1979, João Paulo II pronunciou palavras que se tornaram lema: “Não tenham medo”. Esse convite repetido em homilias e discursos não foi mera retórica; foi um apelo à reconquista da dignidade humana. Ao convocar os poloneses a viverem publicamente a fé e a memória, ele submeteu o clima de terror do totalitarismo a uma alternativa moral: a coragem piedosa. Ao contrário de uma insurreição armada, o seu foi um sopro espiritual que começou a fazer ruído nas consciências.
A presença do Papa em praças e catedrais, celebrando a liturgia e confirmando a esperança, realizou uma ação pastoral com consequências sociais tangíveis. Movimentos de ouvintes e trabalhadores, lideranças leigas e intelectuais encontraram naquele estímulo um alento para a organização civil. João Paulo II não assinou manifestos nem dirigiu greves; ele reposicionou o horizonte moral de um povo — ofereceu um quadro de legitimidade que tornava possível a ação organizada e não-violenta. A história política do Leste Europeu não pode ser entendida sem reconhecer essa dimensão formativa.
O magistério de João Paulo II articulou, com rigor teológico e sentido público, a crítica às ideologias que negam a transcendência da pessoa humana. Em suas reflexões sociais, ele sustentou que a dignidade e os direitos fundamentais não são concessões do Estado, mas realidades ontológicas que precedem qualquer ordem política. Dessa forma, a sua crítica ao comunismo teve caráter doutrinal: não uma vingança política, mas uma defesa da verdade sobre o homem. Essa fundamentação deu solidez moral às aspirações à liberdade que fermentavam na sociedade.
Mais do que aparições públicas, João Paulo II promoveu encontros que dignificaram atores sociais: bispos, trabalhadores, intelectuais e jovens. O seu diálogo com movimentos sociais foi sobretudo pastoral — abertura à escuta, encorajamento ao testemunho, apoio moral às iniciativas legítimas da sociedade civil. O efeito acumulado dessas ações foi emergir de espaços de resistência que, com o tempo, se traduziram em processos políticos concretos. A queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, foi o ponto culminante de uma série de convergências históricas onde fé, cultura e política se entrelaçaram.
O papel de João Paulo II na queda do Muro de Berlim não se limitou à Polônia. Sua mensagem se espalhou por toda a Europa Oriental. Em países como a Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e Hungria, a voz do Papa, transmitida pelas rádios católicas clandestinas, tornava-se símbolo de resistência e esperança. Ele manteve contato pastoral e diplomático com líderes eclesiásticos de todo o bloco soviético, encorajando-os a manter viva a fé e a caridade, mesmo sob vigilância. Muitos desses bispos e sacerdotes foram os mediadores espirituais de protestos pacíficos que antecederam a abertura das fronteiras entre as Alemanhas.
Quando, em 1989, multidões se reuniram em Leipzig e Berlim para rezar o “Pai-Nosso” e pedir liberdade, aquela atmosfera espiritual havia sido cultivada durante anos sob a inspiração do Papa polonês. A sua insistência na “liberdade da consciência” e no “direito de adorar a Deus sem medo” foi o cimento invisível de uma unidade moral que o regime comunista não conseguiu conter. O muro caiu porque o medo se desfez — e esse medo começou a se dissolver quando, dez anos antes, um Papa lhes disse: “Não tenham medo.”
A coerência pessoal do Papa — sua vida de oração, o perdão público ao agressor que lhe atirou em 1981 e a paciência diante do sofrimento físico — fortaleceu a autoridade moral de suas palavras. Quando um pastor vive a fé com integridade, suas palavras políticas não são vistas como interesse de facção, mas como apelo à verdade humana. Essa credibilidade foi decisiva para que bispos, fiéis e cidadãos escutassem suas exortações à dignidade e à liberdade.
Da sua atuação emergem lições claras e práticas. Primeiro: a oração comunitária transforma consciências e pode preparar o solo para mudanças políticas profundas. Segundo: a afirmação da verdade sobre a pessoa humana é princípio saneador das instituições. Terceiro: a resistência não violenta, ancorada em motivos éticos e espirituais, é uma forma de poder real que rende frutos na história. Essas lições mostram que a política cristã é possível quando se funda na caridade, na razão e na coragem.
A data de 22 de outubro lembra o início visível do seu ministério petrino — a tomada de posse em 1978 — e simboliza o anúncio público de um papa cujo pontificado seria definido por uma pastoral missionária, cultural e social. Celebrar essa memória não é apenas recordar um homem notável, mas reafirmar a convicção de que a fé autenticamente vivida ilumina as estruturas do mundo. A festa litúrgica nos convoca a renovar o compromisso de unir caridade e verdade na construção de uma sociedade mais humana.
Pergunta-se muitas vezes se João Paulo II “derrubou” o Muro de Berlim. A resposta honesta distingue meios e efeitos: ele não golpeou o concreto, mas atingiu o que sustenta o concreto — as consciências, a esperança e a consciência de dignidade humana. Ao reacender a coragem e ao propor uma crítica doutrinal coerente do totalitarismo, João Paulo II foi causa eficaz entre muitas causas que levaram à queda dos regimes da Europa Oriental. Seu legado nos recorda que a transformação política duradoura começa na formação moral das pessoas e na coragem tranquila de quem não cede ao medo.
“Não tenham medo.” — São João Paulo II
Em que muros interiores e sociais devemos repetir, com ele, essa frase?