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Crédito: Reprodução da Internet
Às vezes, a Providência escreve os capítulos mais decisivos da história da Igreja a partir de tragédias. Assim começou a missão de São Frumêncio. Jovem fenício, homem culto e cheio de zelo, viajava com o tio quando o navio em que estavam foi atacado no Mar Vermelho. Os sobreviventes foram levados como prisioneiros ao reino de Axum, no coração da Etiópia. O destino, que poderia ter sido o fim, foi o início de uma nova era para aquele povo.
Enquanto outros lamentavam o infortúnio, Frumêncio viu ali uma oportunidade: se Deus o havia permitido, era para um propósito maior. A corte etíope, fascinada por sua inteligência e conduta, fez dele secretário e educador do príncipe Ezana. Ali, entre templos pagãos e tradições antigas, o jovem cristão começou a plantar discretamente as sementes da fé.
Frumêncio não pregava com imprudência nem com arrogância. Sabia que a conversão verdadeira nasce do testemunho. Em sua vida, a mansidão e a sabedoria revelavam algo que os etíopes não conheciam: a serenidade de quem vive em comunhão com Cristo.
Quando o rei morreu, o príncipe Ezana subiu ao trono. Frumêncio, agora seu conselheiro de confiança, tinha o campo aberto para difundir o Evangelho. Mandou erguer pequenos oratórios, incentivou o contato com mercadores cristãos e organizou encontros de oração. A fé foi crescendo silenciosa, mas firme.
Aquele homem, que chegara como prisioneiro, tornava-se agora o pastor espiritual de um povo inteiro.
A missão de Frumêncio foi sempre marcada pela obediência eclesial. Ele compreendia que nenhuma Igreja pode nascer isolada, sem a bênção da autoridade legítima. Por isso, quando percebeu que a comunidade cristã etíope já era numerosa, partiu para Alexandria, onde residia o Patriarca — naquele tempo, Santo Atanásio, um dos gigantes da fé do século IV.
Ali apresentou o que o Espírito Santo havia realizado em Axum e pediu que um bispo fosse enviado para organizar a nova Igreja. Atanásio, discernindo a ação divina, reconheceu em Frumêncio o homem escolhido por Deus para essa missão e o consagrou bispo da Etiópia.
Esse gesto de comunhão foi o que garantiu à Igreja etíope sua fidelidade à doutrina e à sucessão apostólica. Desde então, Alexandria e Axum permaneceram ligadas por uma fraternidade espiritual que perdura há séculos.
De volta à Etiópia, Frumêncio encontrou um terreno pronto para florescer. O rei Ezana, seu antigo discípulo, ouviu o Evangelho com o coração aberto e pediu o Batismo. A conversão do monarca foi um divisor de águas: a fé cristã deixou de ser doméstica e tornou-se a alma do próprio reino.
As moedas passaram a trazer o símbolo da cruz, templos foram dedicados ao verdadeiro Deus, e o nome de Cristo começou a ser proclamado nos cânticos da corte. Aquele reino africano, antes marcado pelo paganismo, tornava-se oficialmente cristão — um dos primeiros do continente.
Frumêncio, agora bispo, estruturou dioceses, formou clérigos, traduziu textos sagrados e cuidou para que tudo permanecesse fiel à doutrina recebida. Nada de sincretismo, nada de improviso: ele sabia que a verdade não se adapta ao gosto do momento, mas transforma o coração do homem.
Um dos legados mais belos de São Frumêncio é a inculturação autêntica que promoveu. Ele não impôs costumes estrangeiros, mas traduziu a fé para o coração e a língua do povo. Foi assim que nasceram as liturgias em ge’ez, os cânticos melódicos que ainda hoje ecoam nos mosteiros etíopes e o estilo próprio de arte sacra, profundamente cristão e genuinamente local.
A fé católica não destrói culturas; ela as purifica, eleva e lhes dá plenitude. Frumêncio entendeu isso séculos antes de o termo “inculturação” existir. O resultado é uma Igreja com identidade própria e ao mesmo tempo plenamente católica — unida pela doutrina e pelos sacramentos à mesma Igreja de Roma e de Alexandria.
O povo etíope, grato ao bispo que os conduziu à fé, passou a chamá-lo de Abuna — “nosso pai” — e também Abba Salama, “pai da paz”. Esses títulos expressam o reconhecimento do amor pastoral de quem não apenas pregou, mas permaneceu junto ao povo, cuidando deles como um pai cuida dos filhos.
A santidade de Frumêncio não estava apenas na evangelização bem-sucedida, mas na forma como encarnou o ideal do bom pastor: paciente, firme na doutrina, e profundamente compassivo.
A história de São Frumêncio não é um episódio exótico do cristianismo antigo; é um espelho para a Igreja contemporânea. Num tempo em que muitos querem evangelizar sem autoridade, adaptar a doutrina ou separar fé e comunhão, Frumêncio recorda o caminho certo: fidelidade à Igreja, paciência na missão e unidade com a Sé Apostólica.
Ele não inventou uma “igreja etíope independente”, mas uma Igreja católica enraizada no solo africano. Não buscou poder nem prestígio; buscou almas. Não negociou a verdade para agradar os reis; conduziu os reis à Verdade que é Cristo.
São Frumêncio ensina que evangelizar não é impor nem ceder, mas oferecer a luz da fé com humildade e coragem.
A Igreja da Etiópia, até hoje rica em liturgia, mística e arte sacra, nasceu do zelo desse homem que jamais quis ser protagonista. Sua festa, celebrada em 27 de outubro, recorda o nascimento espiritual de um povo e a fidelidade de um missionário que viveu e morreu a serviço da Igreja.
Frumêncio é, com justiça, chamado Apóstolo da Etiópia. E permanece um lembrete poderoso de que Deus pode transformar até mesmo um naufrágio em semente de santidade.
São Frumêncio é o santo da fidelidade na adversidade. Sua vida desmente a ideia de que a missão precisa de condições perfeitas. Ele evangelizou sem recursos, sem liberdade e sem garantias — mas com fé e obediência.
Hoje, quando tantos falam em “reinventar” a Igreja, ele nos recorda que o verdadeiro progresso é a permanência naquilo que sempre foi verdadeiro.
“Permanecei firmes na fé que recebestes.” (cf. 1Cor 16,13) — essa foi a essência de sua vida.
Que sua intercessão reacenda em nós o ardor missionário, o amor pela unidade da Igreja e a coragem de anunciar Cristo em qualquer terra, mesmo quando tudo parece perdido.