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Crédito: Reprodução da Internet
Entre os santos que marcaram a história da Igreja, São João Bosco se destaca não apenas por sua ardente caridade e zelo pelos jovens, mas também por algo que intriga e fascina fiéis e estudiosos até hoje: seus sonhos proféticos. Dom Bosco não foi apenas um educador genial ou fundador de uma família religiosa; foi também um homem profundamente místico, a quem Deus parece ter confiado mensagens sobre o futuro, a Igreja e até o destino das almas sob seus cuidados.
Desde a juventude, ele começou a ter sonhos vívidos e simbólicos. O próprio santo afirmava que não se tratavam de meras imaginações noturnas, mas de visões espirituais enviadas por Deus para instrução e correção. Em suas Memórias do Oratório, ele escreve: “Esses sonhos me acompanharam por toda a vida, e muitos deles se realizaram à risca”.
A Igreja, sempre prudente ao lidar com fenômenos sobrenaturais, reconheceu a autenticidade da vida de santidade de Dom Bosco, embora nem todos os seus sonhos sejam considerados dogmaticamente revelações. Ainda assim, eles foram discernidos à luz da fé, do Magistério e dos frutos espirituais que produziram, especialmente no apostolado salesiano.
Antes de mergulhar nos episódios mais conhecidos, é importante compreender como a Igreja entende os sonhos proféticos. Desde os tempos bíblicos, Deus se comunicou com seu povo por meio de sonhos: José, filho de Jacó, no Antigo Testamento; São José, esposo da Virgem Maria, no Novo Testamento.
O Catecismo da Igreja Católica ensina que “Deus pode revelar o futuro a seus profetas ou a outras pessoas santas” (CIC 2115), mas também adverte contra curiosidades malsãs. Ou seja, o dom profético é um carisma concedido para edificação da Igreja, nunca para alimentar a vaidade humana ou a busca por segredos ocultos.
No caso de Dom Bosco, seus sonhos se enquadram perfeitamente nessa perspectiva: não eram previsões para satisfazer curiosidades, mas instrumentos para corrigir, ensinar e fortalecer na fé. Seus relatos eram sempre acompanhados de discernimento, oração e submissão à autoridade eclesiástica.
Entre as dezenas de sonhos registrados, os que mais marcaram sua missão foram aqueles que diziam respeito aos jovens. Um dos primeiros, quando tinha apenas nove anos, definirá toda a sua vida. Ele sonhou estar num campo cheio de meninos que brigavam entre si. Quando tentou detê-los com força, apareceu uma figura luminosa — o próprio Cristo — que lhe disse: “Não com pancadas, mas com mansidão e caridade conquistarás esses teus amigos”. E, ao lado de Jesus, uma mulher resplandecente, a Virgem Maria, completou: “A seu tempo, tudo compreenderás”.
Esse sonho inaugural foi a semente do carisma salesiano. Dom Bosco compreendeu que sua vocação seria conduzir os jovens à santidade através da bondade, da razão e da religião. O sonho, interpretado à luz da fé, mostrava a pedagogia divina que guiaria toda a sua obra: firmeza na verdade e ternura na caridade.
Entre os sonhos proféticos mais conhecidos de Dom Bosco está o chamado “sonho das duas colunas”, datado de 1862. Ele descreve uma terrível batalha naval: um grande navio, símbolo da Igreja, é atacado por inimigos de todos os lados. As ondas são violentas, e parece que o navio vai afundar. No entanto, duas colunas se erguem do mar: uma sustenta a Eucaristia, com a inscrição “Salus credentium” (Salvação dos crentes); a outra, a Virgem Maria, com a frase “Auxilium Christianorum” (Auxílio dos cristãos).
O Papa, à frente do navio, o guia até ancorar entre as duas colunas. Então, a tempestade cessa, e os inimigos se dispersam. Dom Bosco explicou que o sonho significava que a Igreja só encontraria segurança e vitória nas tempestades do mundo quando se apoiasse firmemente na Eucaristia e na devoção à Virgem Maria.
O simbolismo é profundamente teológico e alinhado ao Magistério: a Eucaristia é “fonte e ápice de toda a vida cristã” (Lumen Gentium, 11), e Maria é invocada desde os primeiros séculos como auxílio seguro da Igreja. O sonho das colunas, portanto, não é uma alegoria isolada, mas uma catequese mística sobre a fidelidade e a perseverança da Igreja em tempos de crise.
Outro sonho impactante é o chamado “sonho do inferno”, que Dom Bosco teve em 1868. Nele, foi conduzido por um guia espiritual a uma visão impressionante da perdição eterna. O santo descreve com riqueza de detalhes o sofrimento das almas e a justiça divina.
Ele relata: “Vi uma estrada larga e espaçosa, cheia de jovens que corriam rindo e cantando, sem se importar com o precipício que os esperava. Alguns tentavam deter-se, mas eram arrastados por outros. E, ao cair, uma força irresistível os puxava para baixo, para o fogo que nunca se apaga”.
A descrição, embora assustadora, não tinha o objetivo de apavorar, mas de acordar as consciências. Dom Bosco jamais usou o medo como instrumento, mas acreditava que a visão do mal servia como contraste para despertar o desejo do bem. Como dizia São Paulo: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Sl 111,10).
Esses sonhos de natureza escatológica — sobre o céu, o purgatório e o inferno — têm um valor catequético e refletem fielmente a doutrina da Igreja sobre os Novíssimos. O Compêndio do Catecismo (n. 1021-1037) ensina que, após a morte, cada pessoa é julgada e encaminhada ao seu destino eterno. Dom Bosco traduziu essa verdade teológica em imagens que falavam diretamente ao coração dos jovens.
A Igreja, ao avaliar experiências místicas, segue critérios rigorosos. O Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia (2002) afirma que revelações particulares não pertencem ao depósito da fé, mas podem ajudar os fiéis “a viverem mais plenamente o Evangelho”.
Dom Bosco sempre mostrou obediência e humildade diante da autoridade eclesiástica, nunca apresentando seus sonhos como verdades absolutas, mas como luzes que orientavam seu apostolado. Essa atitude confirma o que ensina Bento XVI em Verbum Domini (n. 14): “O papel das revelações privadas é ajudar-nos a compreender melhor o Evangelho, não completá-lo”.
Portanto, a grandeza de Dom Bosco não está apenas nas visões que teve, mas na forma como as viveu com fidelidade, discernimento e espírito de serviço.
Mais de um século após sua morte, os sonhos de Dom Bosco continuam a inspirar educadores, sacerdotes e leigos. Eles recordam que a vida espiritual não se limita à rotina, mas é também um diálogo misterioso com Deus, que fala de muitas maneiras — inclusive por meio de sonhos.
A atualidade de suas visões é impressionante. Num mundo em que a juventude se perde em distrações e a Igreja enfrenta tempestades morais e espirituais, as duas colunas continuam a erguer-se como faróis de salvação: a Eucaristia e Maria Santíssima.
Como dizia o próprio santo: “Quem se aproxima dos sacramentos e se coloca sob o manto de Maria nunca se perderá”. Essa frase resume não apenas sua espiritualidade, mas a certeza de que a verdadeira profecia não é prever o futuro, e sim indicar o caminho seguro da salvação.
Em Dom Bosco, vemos um profeta que sonhou o Céu e ensinou aos jovens como alcançá-lo. Seus sonhos continuam vivos porque tocam aquilo que jamais envelhece: a esperança cristã, a fidelidade à Igreja e o amor que tudo transforma.