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Crédito: Reprodução da Internet
Poucos santos misturam tanto intelecto, fogo espiritual e senso de dever público quanto São João de Capistrano. Jurista talentoso, político respeitado e, mais tarde, frade franciscano pobre e pregador inflamado, ele encarna a força do Evangelho quando é levado às últimas consequências. Sua história é a de um homem que não se contentou em mudar de vida — ele quis mudar o mundo ao seu redor, e o fez sem trair a doutrina nem a obediência à Igreja.
João nasceu em Capestrano, na Itália, em 1386. Cresceu num ambiente de leis, estudo e poder civil. Jovem brilhante, formou-se em Direito e foi nomeado governador de Perugia. Tudo caminhava para uma carreira política de sucesso, até que uma reviravolta interior o atingiu com força. Envolvido num conflito entre cidades italianas, acabou preso — e, nesse cárcere, descobriu que nenhuma honra humana era suficiente para dar sentido à sua vida.
Ao ser libertado, renunciou aos bens, pediu a nulidade do casamento e entrou para a Ordem dos Frades Menores, seguindo o ideal franciscano de pobreza e penitência. Ele não “fugiu do mundo” — ele o reinterpretou à luz de Cristo. Sua conversão não foi sentimental: foi uma decisão racional e sobrenatural de colocar a alma antes do cargo.
São João tornou-se um dos maiores pregadores do século XV. Percorria cidades e vilas, falando às multidões que se reuniam nas praças para ouvi-lo. Não pregava para agradar — pregava para converter. Combateu abusos morais, corrupção clerical, heresias e o relaxamento da fé. A palavra era sua espada, e sua caridade, o escudo.
Ele dizia, segundo tradições franciscanas, que “a língua do pregador deve queimar, mas não destruir”. E de fato, suas palavras inflamavam corações sem semear ódio. Pregava penitência, jejum e fidelidade à Igreja, não apenas devoções vazias. Sua missão era reacender o sentido de responsabilidade cristã: fé que se expressa em obras, não em slogans piedosos.
Em 1456, o Império Otomano avançava sobre a Europa Central. Belgrado (atual Sérvia) estava sob cerco. O papa Calisto III convocou os fiéis a rezar e agir. João de Capistrano, já idoso, respondeu com o que sabia fazer: pregar. Mas desta vez, a pregação saiu das igrejas e foi para o campo de batalha.
Ele reuniu camponeses, artesãos e soldados e os animou espiritualmente. Não empunhou espada para matar — empunhou a cruz, para dar coragem. Sua presença manteve unidas as forças cristãs ao lado do comandante João Hunyadi. A vitória de Belgrado salvou a cidade e deu novo ânimo à Europa.
Não há romantismo nisso: havia dor, privações e morte. Mas João mostrou que a fé pode se tornar força moral e resistência legítima quando o mal ameaça a dignidade humana. A Igreja reconhece, desde os primeiros séculos, que a defesa do inocente é um ato de justiça, não de violência gratuita.
A doutrina católica é muito clara: a paz é sempre o ideal, mas a legítima defesa pode ser moralmente aceitável. O Catecismo da Igreja Católica ensina que “a defesa legítima das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente” (CIC 2263). E reforça: “a legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever, para aquele que é responsável pela vida de outrem” (CIC 2265).
João viveu exatamente nessa fronteira: não como um guerreiro, mas como um pastor que compreendeu que proteger vidas também é forma de caridade. Sua ação não fere a espiritualidade franciscana, porque ela não foi motivada pelo ódio, mas pela obrigação moral de defender o bem comum.
Após a vitória de Belgrado, a peste se espalhou entre os combatentes, e João, já debilitado, contraiu a doença. Morreu poucos meses depois, no dia 23 de outubro de 1456. O povo passou a venerá-lo de imediato. Os testemunhos sobre sua virtude, sabedoria e pureza de intenção foram tantos que, dois séculos depois, o Papa Alexandre VIII o canonizou oficialmente.
Na liturgia, ele é lembrado como “confessor e pregador da fé”. Essa expressão resume bem sua essência: um homem que confessou Cristo com a voz e com a vida, e que pregou com coragem até o fim.
A figura de São João de Capistrano é desconfortável para uma mentalidade moderna que prefere santos neutros. Ele não viveu escondido; atuou em praça pública, pregou para multidões e enfrentou situações políticas sem se deixar corromper por elas. Sua vida é prova de que a santidade não é fuga, mas engajamento fiel à verdade.
Num mundo que confunde paz com passividade e fé com opinião, João lembra que a caridade também se manifesta como fortaleza. “A caridade é paciente”, ensina São Paulo, “mas não é cúmplice”. Essa distinção parece feita para o nosso tempo: amar não é fechar os olhos diante do mal, é enfrentá-lo com prudência, fé e coragem.
Primeiro, que a fé pode — e deve — entrar no debate público sem se diluir. João pregava diante de governantes e camponeses com a mesma clareza: Cristo deve ser conhecido e obedecido. Segundo, que a coerência é a maior forma de autoridade. Um pregador que vive o que ensina convence mais que mil discursos ensaiados.
Por fim, que o combate espiritual não é metáfora. A Igreja continua em luta — não com armas, mas com oração, verdade e coragem moral. A batalha de Belgrado é símbolo de todas as situações em que o mal precisa ser resistido: nas ideias, nos costumes e nas estruturas. Cada cristão é chamado a essa mesma coragem, dentro de seu estado de vida.
São João de Capistrano nos ensina que há momentos em que o cristão precisa erguer a voz, não por vaidade, mas por amor à verdade. Ele não buscou glória, buscou salvação — para si e para os outros. Sua herança não está na guerra que ajudou a vencer, mas na fé que sustentou seus passos.
Hoje, sua memória nos convida a uma conversão ativa: pregar, ensinar, resistir e permanecer firmes quando a fé for atacada. A santidade não se mede pelo conforto, mas pela fidelidade. E João de Capistrano foi, em tudo, fiel.
“A língua do pregador deve queimar, mas não destruir.”