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Crédito: Reprodução da Internet
Karol Józef Wojtyła nasceu em Wadowice, uma pequena cidade da Polônia, em 18 de maio de 1920. O que parecia apenas mais uma infância europeia do início do século XX tornou-se o berço de uma das maiores figuras da história da Igreja.
Desde cedo, o sofrimento foi seu companheiro. Perdeu a mãe aos nove anos, o irmão Edmund — médico — durante uma epidemia, e o pai quando ainda era seminarista. Ficou sozinho, mas nunca desamparado. A solidão o fez íntimo de Deus, e é nesse chão de dor e fé que nasceria o homem que, mais tarde, ensinaria o mundo a confiar na providência.
Mesmo jovem, Karol se destacava por uma sensibilidade rara: amava a literatura, o teatro e o estudo. Era capaz de interpretar Shakespeare à noite e ajudar o pai doente durante o dia. Quando a Polônia foi invadida pelos nazistas, trabalhou como operário numa pedreira para não ser deportado. Sob o peso das pedras, aprendeu o valor redentor do trabalho humano e o silêncio que escuta a vontade de Deus.
Durante a Segunda Guerra, Karol entrou em um seminário clandestino organizado pelo Cardeal Sapieha. Em meio a bombardeios e perseguições, estudava à luz de velas e rezava em silêncio para não ser descoberto. Foi ordenado sacerdote em 1946 e enviado a Roma para aprofundar seus estudos teológicos. Lá, doutorou-se com uma tese sobre a fé em São João da Cruz — o místico da noite escura.
O jovem padre Wojtyła aprendeu, com o santo espanhol, que a fé não é ausência de dor, mas comunhão com o Deus que sofre conosco.
De volta à Polônia comunista, tornou-se professor, confessor e, sobretudo, um homem de presença. Era conhecido por caminhar com os jovens, celebrar Missas ao ar livre e discutir filosofia com operários e artistas. Essa capacidade de unir o espiritual e o humano fez dele um pastor completo — intelectual sem arrogância, místico sem fuga do mundo.
Em 16 de outubro de 1978, um cardeal polonês foi eleito Papa — algo impensável em plena Guerra Fria. Ao escolher o nome João Paulo II, homenageou seus predecessores e sinalizou continuidade. Mas o que o mundo testemunhou na Missa inaugural, em 22 de outubro daquele ano, foi mais do que um rito: foi o início de uma revolução espiritual.
Diante de milhões, ele proclamou: “Não tenham medo! Abram, escancarem as portas a Cristo!”
Essas palavras ecoaram como um trovão nos corações oprimidos do Leste Europeu e nos católicos adormecidos do Ocidente.
Não era um grito político, mas teológico. João Paulo II sabia que o medo paralisa a fé, e que uma Igreja paralisada deixa o mundo nas mãos do desespero. Por isso, sua voz soou como trombeta de libertação — e é por esse motivo que a Igreja celebra sua memória exatamente neste dia, 22 de outubro: o dia em que seu pontificado começou e a esperança reacendeu.
João Paulo II foi um intelectual monumental. Produziu 14 encíclicas, 15 exortações apostólicas e centenas de homilias e discursos. Mas seu gênio estava em tornar o profundo acessível.
Em Redemptor Hominis, sua primeira encíclica, afirmou: “O homem é o caminho da Igreja.”
Em Veritatis Splendor, defendeu a moral objetiva em tempos de relativismo.
Em Evangelium Vitae, proclamou com firmeza que “a vida humana é sagrada, desde a concepção até a morte natural.”
Mais do que escrever documentos, João Paulo II reensinou o mundo a pensar a partir de Cristo. Sua teologia do corpo, por exemplo, não foi apenas um tratado sobre sexualidade, mas uma visão integral do amor humano como reflexo da Trindade. Sua defesa da razão, em Fides et Ratio, foi um resgate da confiança intelectual na fé: “A fé e a razão são como duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.”
Ele não fugia do diálogo com o mundo moderno — mas nunca permitiu que o mundo ditasse a verdade à Igreja.
João Paulo II foi o Papa das multidões e das viagens. Visitou 129 países, falou em dezenas de línguas e enfrentou de frente as ideologias totalitárias do século XX. Seu apoio silencioso mas firme ao movimento “Solidariedade”, na Polônia, contribuiu para o colapso do comunismo.
No entanto, ele não se reduziu a um líder político. O que movia o Papa viajante era a convicção de que nenhum povo está longe demais para o amor de Cristo.
Nas Jornadas Mundiais da Juventude, criou um espaço de fé vibrante e alegre para os jovens. Nos encontros com doentes, abraçou cada ferida como quem reconhece Cristo nelas. Até mesmo o atentado de 1981, quando levou um tiro na Praça de São Pedro, foi transformado em testemunho: “Uma mão atirou, outra guiou a bala”, disse ele, referindo-se à proteção da Virgem Maria.
Os últimos anos de João Paulo II foram um evangelho vivido. A doença o consumia, mas ele permaneceu fiel até o fim. O mundo o viu perder a voz, os movimentos e, pouco a pouco, a força — mas nunca a fé. Em seu corpo frágil, a Igreja inteira aprendeu que a dignidade não depende da aparência, e que o sofrimento pode ser apostolado.
Na sua última Páscoa, em 2005, tentou falar da janela do Vaticano e não conseguiu pronunciar palavra alguma. Apenas ergueu a mão em bênção. Aquele gesto silencioso foi mais eloquente que qualquer encíclica.
Faleceu em 2 de abril, véspera da Festa da Divina Misericórdia — devoção que ele próprio havia instituído. Coincidência? Não. Providência.
Celebrar São João Paulo II não é apenas lembrar um Papa, mas acolher um chamado. O mundo de hoje, atolado em medo, confusão moral e perda de sentido, precisa redescobrir sua mensagem: a esperança cristã não é otimismo barato, é certeza de vitória porque Cristo venceu o mal.
Ele nos ensinou que a santidade é possível, mesmo em tempos sombrios; que a verdade liberta; e que a fé não é um adorno, mas um fundamento.
Os santos não são super-homens, mas homens que amam a Deus acima de tudo, dizia ele. E amou — até o fim.
Em 27 de abril de 2014, o Papa Francisco o canonizou, confirmando o que o mundo inteiro já intuía: João Paulo II não apenas guiou a Igreja, ele a santificou com o seu sofrimento, com sua inteligência e com sua coragem.
Que neste 22 de outubro, cada fiel redescubra o eco das suas palavras e repita com o coração: “Não terei medo, Senhor. Abrirei as portas para Ti.”
“A medida do amor é o amor sem medida.” — São João Paulo II