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Crédito: Reprodução da Internet
O tempo comum (tempo ordinário, em algumas traduções) é muitas vezes subestimado ou mal compreendido — parece sem graça ao lado do brilho do Natal ou da intensidade da Semana Santa. Mas é exatamente nesse “silêncio” que se constrói o corpo da vida cristã: é o período em que a Igreja vive, cresce e aprende a santidade no dia a dia. O tempo comum não é um intervalo vazio; é o tempo pródigo em ensino, prática e amadurecimento espiritual.
O tempo comum é o segmento do ano litúrgico que não pertence aos ciclos festivos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa, nem às solenidades móveis como a Solenidade de Pentecostes. Ele cobre as semanas que se seguem ao batismo do Senhor até a Quaresma e as semanas que vão do Pentecostes até o Advento. A sua função é estruturar a vida cristã ao longo dos dias comuns: celebrar os mistérios de Cristo em sua totalidade, não apenas nos pontos culminantes.
A Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II (Sacrosanctum Concilium) ensina que a liturgia é o “cume” e a “fonte” da vida da Igreja — “The liturgy is the summit toward which the activity of the Church is directed; it is also the font from which all her power flows.” Esta afirmação aponta para a importância de integrar a celebração festiva e o tempo cotidiano: o tempo comum mantém esse fluxo litúrgico contínuo, evitando que a fé vire evento episódico.
Teologicamente, o tempo comum é tempo de catequese sacramental sobre a vida de Cristo e sua presença na Igreja. Enquanto os tempos fortes destacam mistérios determinados (encarnação, paixão, ressurreição), o tempo comum permite uma contemplação prolongada da encarnação e da vida pública de Jesus, de seus ensinamentos e de sua missão. É onde se aprende a aplicar os mistérios celebrados nas grandes festas à vida concreta.
Além disso, o tempo comum expressa a ideia da santificação do tempo profano: o cotidiano é sacramentalizado, não porque todos os dias sejam iguais, mas porque todos podem ser dias de encontro com Cristo. O Catecismo da Igreja Católica e a Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) tratam da importância de celebrar adequadamente cada domingo e festa — e o tempo comum garante que esse ciclo se mantenha regular e pedagógico.
Pastoralmente, o tempo comum serve como esqueleto anual para a pregação, a catequese e a formação espiritual. Nas homilias dominicais, por exemplo, os textos de cada semana do tempo comum guiam o povo a uma progressão doutrinal e moral: lemos e refletimos os Evangelhos de forma ordenada, o que favorece uma catequese contínua e integrada. Sem esse “trabalho cotidiano”, as grandes festas corririam o risco de parecer espetáculos isolados.
Para o calendário paroquial, o tempo comum é o momento de intensificar práticas habituais—caridade, catequese, visitas, sacramentos—e de ajudar os fiéis a verem a santidade como fruto de rotina fiel, e não apenas de experiências místicas esporádicas.
Liturgicamente, o tempo comum tem características próprias: as cores litúrgicas (verde predominante), o lecionário que segue ciclos semanais (Ano A, B, C no Leccionário dominical), e uma ênfase no domingo como memorial semanal da Páscoa. A IGMR regula como as celebrações se sucedem e como as solenidades e memórias são integradas ao tempo comum quando necessário. O verde, por exemplo, simboliza esperança e crescimento — linguagem visual para a dinâmica espiritual do tempo comum.
No plano sacramental, é também no tempo comum que muitas ordenações, casamentos e batismos se realizam de maneira ordinária; isto reforça a ideia de que a graça sacramental deve permear a vida diária.
Uma crítica comum é que o tempo comum parece “banal” diante das grandes festas; alguns fiéis o percebem como menos atraente, o que pode reduzir a participação. A resposta pastoral deve ser dupla: melhorar a formação litúrgica (explicar o sentido teológico e pastoral do tempo comum) e enriquecer a celebração com homilias conectadas à vida, música apropriada e gestos comunitários que evidenciem o profundo sentido sacramental desses dias.
Outra crítica legítima é prática: calendários diocesanos e pastorais às vezes saturam o tempo comum com atividades burocráticas, subvertendo sua função formativa. É preciso proteger o tempo comum para que ele cumpra seu papel de nutrir a fé cotidiana.
Para o cristão leigo, o tempo comum é o convite a reconhecer Deus na rotina: no trabalho, nas pequenas relações, nas escolhas morais corriqueiras. Práticas simples — lectio divina com os textos dominicais, participação semanal na Eucaristia, obras de caridade locais — tornam o tempo comum terreno fértil para crescimento espiritual. Santidade não é apenas clímax; é fidelidade nas pequenas coisas.
O tempo comum é, enfim, um paradigma: a vida cristã verdadeira não depende só de grandes experiências litúrgicas, mas de um caminho diário de fé. Negligenciar o tempo comum é empobrecer a vida sacramental da comunidade; valorizá-lo é garantir que as grandes festas frutifiquem em mudança de vida concreta. A Igreja, através de seus documentos e do seu magistério, pede que celebremos com sentido e regularidade — o tempo comum é o espaço onde essa regularidade transforma-se em virtude.
Citando a tradição conciliar e a prática litúrgica: a liturgia deve ser celebrada de maneira que “a participação dos fiéis seja ativa, consciente e frutuosa” — eis aqui um princípio que dá ao tempo comum sua verdadeira importância: não um vazio entre festas, mas o chão firme onde se caminha rumo à santidade.