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Dizer que a Igreja Católica fundou as primeiras universidades da Europa não é mero slogan apologético: é um fato histórico amplamente documentado. No mundo medieval, a educação superior era inseparável da vida eclesiástica. Os bispos, monges, cônegos regulares e ordens mendicantes foram os grandes fomentadores do saber organizado em escolas catedrais e monásticas. Dessas escolas nasceram as universidades, instituições juridicamente reconhecidas como universitas magistrorum et scholarium — “corpo universal de mestres e estudantes”.
Na Constituição Apostólica Parens scientiarum (1231), o Papa Gregório IX reconheceu oficialmente a Universidade de Paris, declarando-a sob proteção da Sé Apostólica. Esse documento é considerado, por muitos historiadores, uma verdadeira “carta magna” da universidade medieval. Ali se asseguravam privilégios, autonomia e imunidades que evidenciam o papel da Igreja como fundadora e protetora desses centros de saber.
O Concílio Lateranense III (1179), por sua vez, já havia reforçado que as escolas episcopais deviam ser mantidas para qualquer pessoa capaz e desejosa de aprender, independentemente de classe social. Isso demonstra o compromisso eclesial com o ensino, visto não apenas como formação intelectual, mas como serviço à Verdade que é Cristo (cf. João 14,6).
Fundada por volta de 1088, a Universidade de Bolonha é tida como a mais antiga da Europa em funcionamento contínuo. Sua origem está ligada diretamente ao estudo do Direito Romano, mas não qualquer direito romano: o Corpus Iuris Civilis foi redescoberto, estudado e sistematizado sob a ótica cristã. Os mestres bolonheses não apenas transmitiam o texto de Justiniano, mas interpretavam-no de modo coerente com o Direito Canônico e a moral cristã.
O professor Irnerio, clérigo e jurista, foi um dos grandes responsáveis por essa sistematização. A Escola de Bolonha, protegida pelos papas, viria a influenciar profundamente o direito eclesiástico. O próprio Decretum Gratiani (c. 1140), que inaugura a ciência jurídica canônica, nasceu desse ambiente universitário e foi absorvido rapidamente na vida da Igreja.
O Papa Honório III, em 1219, emitiu a bula Super specula, que confirma o ensino em Bolonha e regula as atividades universitárias, mostrando que a Igreja não apenas permitia, mas organizava o ensino superior como parte de sua missão.
Se Bolonha brilhou no Direito, Paris se tornou a rainha da Teologia. Não por acaso, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, São Alberto Magno e muitos outros mestres passaram pela Sorbonne ou por suas salas anexas. A universidade parisiense surgiu das escolas da catedral de Notre-Dame e das escolas monásticas de Saint-Victor, consolidando-se no século XII como centro intelectual da Cristandade.
A Parens scientiarum, de Gregório IX, garantiu à Universidade de Paris independência jurisdicional frente às autoridades civis, colocando-a sob tutela direta do Papa. Essa autonomia era crucial para proteger professores e alunos das pressões políticas ou econômicas. A Igreja compreendia que o ensino devia ser livre para buscar a Verdade, sem se submeter a interesses temporais.
Paris foi também um campo de debates teológicos fundamentais. O magistério vigilante da Igreja interveio quando necessário para conter heresias ou erros filosóficos, como ocorreu com as condenações de 1277 pelo bispo Étienne Tempier, que reprovou certas teses averroístas incompatíveis com a fé católica.
A Universidade de Salamanca, fundada oficialmente por bula papal de Alexandre IV em 1255 (bula Quia parens scientiarum), tornou-se a joia intelectual da Espanha católica. Desde o século XIII, Salamanca já tinha escolas anexas à catedral. Quando se tornou universidade, foi estruturada sob estatutos e privilégios dados pela Santa Sé.
Ali floresceu a Escola de Salamanca no século XVI, berço de gigantes intelectuais como Francisco de Vitoria, Domingo de Soto e Francisco Suárez, que, movidos por sua fé, elaboraram princípios do direito natural e da dignidade humana. Foram dominicanos, franciscanos e jesuítas — todos filhos da Igreja — que construíram essa doutrina que influenciaria o direito internacional moderno.
A preocupação da Igreja era evangelizar também o mundo jurídico e político. Assim, Salamanca formava missionários, juristas, teólogos e até mestres de línguas indígenas para a evangelização das Américas, mostrando o rosto missionário e universal da Igreja.
A palavra universitas não é casual. Significa precisamente uma comunidade unida, diversa e orientada a um fim superior. Isso está profundamente ligado ao conceito católico de “universalidade”: a Verdade é una e para todos. O Papa João Paulo II, na Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae (1990), recordou que a universidade católica está chamada a investigar a Verdade inteira sobre o homem e o mundo, à luz da fé:
“Uma Universidade Católica é […] uma comunidade acadêmica que, de modo rigoroso e crítico, contribui para a tutela e o progresso da dignidade humana e da herança cultural através da investigação, do ensino e dos diversos serviços prestados às comunidades locais, nacionais e internacionais” (Ex corde Ecclesiae, 12).
Esse ideal nasceu, em germe, nas universidades medievais. A Igreja não criou escolas apenas para “ensinar matérias”, mas para integrar fé e razão, ciência e moral, intelecto e vida cristã.
Desde os primeiros séculos, Padres e Doutores da Igreja defenderam o estudo como via legítima para glorificar Deus. Santo Agostinho, em De Doctrina Christiana, sustentava que todo saber verdadeiro deve servir para melhor entender as Escrituras e a fé. São Tomás de Aquino, no Contra Gentiles, via a razão como aliada da fé, e não sua rival.
O Magistério sempre reafirmou esse princípio. O Concílio Vaticano II, em Gaudium et Spes (n. 59), diz:
“É, pois, inteiramente conforme à natureza do homem que este, sem descuidar das outras atividades, procure continuamente o progresso das ciências, da técnica e das artes.”
A Igreja fundou universidades porque crê na capacidade humana de conhecer a verdade, ordenando o saber ao serviço da fé, da justiça e da salvação das almas.
Paris, Bolonha, Salamanca — nomes que soam como monumentos de pedra, mas são, na verdade, monumentos de fé viva. O ensino universitário que a Igreja fundou modelou não só a Europa medieval, mas toda a civilização ocidental. A própria ideia de liberdade acadêmica, de currículo estruturado, de graus universitários (bacharel, licenciado, doutor) nasceu sob o patrocínio e o magistério da Igreja.
Hoje, universidades católicas seguem existindo em todos os continentes, fiéis ao princípio de buscar a verdade integrando fé e razão. A tradição continua viva — não como nostalgia, mas como uma força para iluminar os desafios contemporâneos à luz da sabedoria perene da Igreja.
Como bem disse São João Paulo II:
“A fé e a razão são como as duas asas com as quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade.” (Fides et Ratio, Introdução)
Sem a Igreja, é justo dizer, não haveria o conceito de universidade como o conhecemos. E isso não é apenas história medieval: é o DNA cultural do Ocidente.